“A verdade é que o réu Ivo Cassol parecia administrar este Estado como se fosse uma fazenda particular sua, onde fazia o que bem entendia. Acreditava não ter nenhuma norma legal a seguir, apenas sua própria vontade deveria prevalecer”.
As afirmações acima são do juiz juiz Marcelo Tramontini, do 1º Juizado da Infância e da Juventude de Porto Velho, e constam de uma sentença prolatada no último dia 29 que condena o senador Ivo Cassol à penas que incluem a perda do cargo público por quatro anos.
O senador foi condenado por improbidade administrativa porque, segundo o Ministério Público, foi omisso em relação às torturas praticadas por socioeducadores na Unidade de internação I (Casa dos Menores Infratores), na capital, no ano de 2007, quando era governador do Estado.
Segundo consta do processo, socieduccadores espancaram os adolescentes ali internados com socos, pedaços de pau, perna manca, cassetetes,canos de ferro e arrastões pelas paredes.
O MP requereu a condenação de Ivo Cassol por ser omisso. Segundo o MP relatou na época, o réu Ivo Cassol, na condição de governador, “nunca teve preocupação em apresentar medidas concretas para solucionar o problema e já está no seu segundo mandato; o réu age ao seu bel prazer, praticando os atos que bem entende, sem fixar uma escala de prioridades; joga a Constituição e demais leis para ‘debaixo do tapete’, deixando a prioridade absoluta que goza a infância e juventude a seguir a ‘ordem dos precatórios’; age com completa inobservância dos princípios constitucionais e legais; praticou todas as condutas vedadas pelo artigo 5º do Estatuto da Criança e do Adolescente ; omite-se em dar uma condição mais digna para que os adolescentes cumpram suas medidas de internação; impõe uma forma de governo que se aproxima da despótica; acha-se intocável; tem a ‘chave do cofre’ para fazer frente às despesas necessárias para fazer as normas no ECA”.
Na ação de improbidade movida pelo MP, o senador Ivo Cassol não apresentou defesa dentro do prazo, o que levou o juiz a anotar na sentença condenatória:
“Como já dito acima, o MP elencou um rosário de acusações contra o ex-governador Ivo Cassol. Era de esperar, portanto, que ele as rebatesse de forma contundente e demonstrasse que não fez nada daquilo apontado pelo Ministério Público em sua petição inicial. No entanto, qual foi sua atitude? Resposta: Nenhuma. Sequer se deu ao trabalho de apresentar defesa preliminar, apesar de pessoalmente notificado e de ter recebido uma cópia da petição inicial e da decisão que concedeu a liminar e a antecipação de tutela. Como se não bastasse, sequer contestou no prazo”.
Para o juiz, “A verdade é que o réu Ivo Cassol parecia administrar este Estado como se fosse uma fazenda particular sua, onde fazia o que bem entendia. Acreditava não ter nenhuma norma legal a seguir, apenas sua própria vontade deveria prevalecer. Como parece que não gostava muito do Estatuto da Criança e do Adolescente, deixou o sistema socioeducativo desta comarca explodir. Não é sem razão que o ano de 2007, como é público e notório para qualquer ator do sistema socioeducativo e como tem prova nos autos, foi o campeão de assassinatos nas Unidades de Internação desta capital, em especial na Unidade I”.
De acordo com o magistrado, ” É simplesmente inacreditável que um governante possa ter sido tão irresponsável e insensível com um sistema que deveria gozar de prioridade absoluta, como determina a Constituição Federal. Ao que tudo indica o réu acreditava, como bem afirmou o MP na inicial, estar acima da Lei, poderia fazer o que bem entendesse que nada o atingira. Inebriou-se com o Poder e acreditava num sistema antigo e sepulto (ou ao menos quase sepulto!) segundo o qual tudo se resolve nos gabinetes de Brasília, nos conchavos e ao arrepio da Lei”.
Ainda, segundo o magistrado, “ocorre que não há mais espaço para tais atitudes nesta nossa jovem, mas já forte democracia. A cada dia mais poderosos estão precisando explicar seus erros perante a sociedade e o Poder Judiciário. A prisão de figurões da República já não é algo incomum. O réu tinha a vã expectativa de que nada daquilo que o Ministério Público alegava na inicial e provava documentalmente o atingira, pois depois resolveria tudo com o seu poder que acreditava ser inatingível. Ledo engano! O réu praticou improbidade administrativa e chegou o momento de responder por seus terríveis atos contra o sistema socioeducativo desta comarca que até hoje padece e ainda levará muito tempo para se restabelecer dos anos sombrios da dolosa gestão Ivo Cassol”.
Em determinado trecho da sentença, o juiz levanta uma dúvida: “Ele desejava que tais fatos acontecessem com os adolescentes internados? Talvez não. Digo talvez, pois seu dolo eventual é tão evidente, que chega causar dúvidas neste julgador se o réu não é adepto da ideologia que defende a tortura, as agressões físicas, as privações de toda ordem e até a morte como melhor tratamento a ser dado a um adolescente infrator – ideologia esta, infelizmente, tão arraigada em parte considerável da sociedade”.
Por último, ele anotou: “A conduta do réu Ivo Cassol também foi gravíssima e trouxe consequências terríveis para o sistema socioeducativo desta Comarca. O rol de fatos elencados quando da análise de sua responsabilidade dolosa deixa patente que uma pessoa assim deve ser banida, pelo tempo previsto em lei, do serviço público e também não deve contratar ou receber benefícios estatais”.
Cassol foi condenado à perda de função pública; perda dos direitos políticos por quatro anos; multa no valor de dez vezes a remuneração que recebia. Cabe recurso da decisão.
Autor: Tudorondonia
Foto: Divulgação