O desembargador Roosevelt Queiroz Costa concedeu uma liminar suspendendo a greve dos agentes penitenciários estaduais prevista para iniciar nesta quinta-feira, e designou uma audiência de conciliação entre o Estado de Rondônia e o Sindicato dos Agentes Penitenciários e Socioeducadores do Estado de Rondônia (Singeperon) para o dia 26 de maio de 2017.
De acordo com a decisão monocrática do relator, desembargador Roosevelt Queiroz, a suspensão da greve não significa negar esse direito ao servidor público, mas no caso, trata-se de uma categoria que tem funções imprescindíveis para a manutenção da ordem e da segurança pública, conforme já está pacificado pelo STF; pois “a paralisação dos agentes penitenciários representa um risco tanto às pessoas que estão sob a custódia do Estado quanto aos familiares destes e toda a sociedade.
Para o relator, diante das alegações do Estado e Singeperon, é necessário que seja estabelecido diálogo a fim de que possam entrar em acordo acerca das reivindicações dos servidores.
Em caso de descumprimento da decisão pelo Singeperon, este será multado diariamente em R$ 50 mil até o valor máximo de R$ 800. E aos membros do Sindicato e servidores que aderirem ao movimento grevista será aplicado a cada um, a multa diária de R$ 5 mil. VEJA A DECISÃO DO DESEMBARGADOR:
Vistos.
Trata-se de ação declaratória de ilegalidade de movimento paredista com pedido de liminar proposta pelo Estado de Rondônia contra o Sindicato dos Agentes Penitenciários e Sócio Educadores do Estado de Rondônia – SINGEPERON, objetivando a declaração de ilegalidade/abusividade do movimento grevista, bem como impor a abstenção da deflagração do movimento paredista.
Consta dos autos que em 05 de maio do corrente ano, o Estado de Rondônia foi comunicado, através do ofício circular n. 04/2017 da paralisação das atividades da categoria representada pelo SINGEPERON em todo o Estado de Rondônia a partir de 11 de maio (próxima quinta-feira). Na forma dos argumentos delineados no referido ofício circular, o movimento paredista está pautado na insatisfação da categoria com a não efetivação de um Plano de Carreiras, Cargos e Remunerações (PCCR) com atendimento dos anseios da categoria, em especial no que diz respeito ao aspecto remuneratório.
Afirma que o Estado de Rondônia nunca se opôs ao diálogo, tendo apresentado proposta de PCCR voltada a solidificação e melhoria da carreira, concedendo inclusive melhorias na remuneração a partir do sistema de progressões e promoções, que não atendeu a expectativa da categoria tão somente porque a única e exclusiva preocupação da categoria é com melhorias remuneratórias imediatas. Alega também que não pode ser ignorada a crise econômico financeira que assola o país, com diversos Estados em crise e sem conseguir sequer pagar a folha de pagamento dos seus servidores.
Aduz ainda que independentemente de qual seja a motivação apresentada pela categoria, a atitude de deflagração de greve por parte dos agentes penitenciários e socieducadores é ilegal e viola preceitos constitucionais, conforme decisão do Supremo Tribunal Federal proferida em sede de Recurso Extraordinário com repercussão geral reconhecida.
Ante os argumentos aduzidos requer, liminarmente, seja determinado que a SINGEPERON se abstenha de paralisar as atividades, sob pena de multa diária de R$100.000,00 (cem mil reais), bem como seja cominada multa pessoal aos membros do sindicato e servidores que aderirem ao movimento paredista, no valor diário de R$5.000,00 (cinco mil reais). Alternativamente, requer seja determinada a manutenção de pelo menos 80% dos servidores em efetividade, em cada unidade prisional, bem como mantido em funcionamento todas as atividades essenciais e necessárias à manutenção da regularidade do sistema prisional.
O SINGEPERON apresentou manifestação preliminar, aduzindo que o PCCR – Plano de cargos, carreiras e remunerações está parado, sendo que já tentou dialogar com o Estado, porém, este permanece inerte. Aduz também que o Estado de Rondônia vem descumprindo acordos, leis e decisões judiciais há anos, além de impor medidas mais gravosas aos servidores da SEJUS, diversas de procedimentos adotados para outras categorias, sendo obrigados a cumprir horas complementares após os plantões, o que não ocorre com outros servidores estaduais que labutam de igual forma (plantão).
Insurgem-se também quanto a falta de pagamento de insalubridade, progressões, adicional de periculosidade, adicional noturno, auxílio alimentação, revisão geral e anual, bem como a insatisfação pelas relotações sem motivação ou por retaliação. Ao final, requer seja designada audiência de conciliação perante esta Corte antes da análise da tutela de urgência.
É o breve relatório. Decido.
O Estado de Rondônia pretende com a presente ação que seja declarada a ilegalidade da greve deflagrada ou abstenção de fazê-la pelos agentes penitenciários e socioeducadores, a qual foi deliberada pelo Sindicato dos Agentes Penitenciários e Sócio Educadores do Estado de Rondônia – SINGEPERON.
Neste ponto, analisarei tão somente os pressupostos ensejadores das medidas liminares, quais sejam, o fumus boni iuris e o periculum in mora, os quais, in casu, visualizo de plano ante a essencialidade dos serviços inerentes à prestação de serviços ligados à segurança dos presídios no Estado de Rondônia.
No tocante ao direito de greve, embora não se desconheça ser o mesmo garantia do servidor público, a própria Constituição Federal previu que a lei definiria os serviços e atividades essenciais que deveriam ser mantidos para atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade e, ainda, que o direito de greve seria exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica.
A edição dessa lei específica, todavia, não ocorreu até os dias atuais, motivo pelo qual tem sido admitida a aplicação subsidiária da Lei n. 7.783/89, onde consta expressamente que os serviços ou atividades considerados essenciais devem, obrigatoriamente, ter a prestação garantida durante a greve, a fim de não colocar em risco a sobrevivência, a saúde e a segurança da população.
Nada obstante, o Supremo Tribunal Federal já pacificou o entendimento que apesar de a greve dos servidores públicos ser um direito constitucionalmente previsto, há algumas categorias de servidores que, ante a essencialidade dos serviços públicos por eles prestados, sofrem restrições ou mesmo vedações de tal direito. Neste sentido, cito seguinte aresto:
EMENTA: RECLAMAÇÃO. SERVIDOR PÚBLICO. POLICIAIS CIVIS. DISSÍDIO COLETIVO DE GREVE. SERVIÇOS OU ATIVIDADES PÚBLICAS ESSENCIAIS. COMPETÊNCIA PARA CONHECER E JULGAR O DISSÍDIO. ARTIGO 114, INCISO I, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. DIREITO DE GREVE. ARTIGO 37,INCISO VII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. LEI N. 7.783/89.
INAPLICABILIDADE AOS SERVIDORES PÚBLICOS. DIREITO NÃO ABSOLUTO. RELATIVIZAÇÃO DO DIREITO DE GREVE EM RAZÃO DA ÍNDOLE DE DETERMINADAS ATIVIDADES PÚBLICAS. AMPLITUDE DA DECISÃO PROFERIDA NO JULGAMENTO DO MANDADO DE INJUNÇÃO N. 712. ART. 142, § 3º, INCISO IV, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. INTERPRETAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO. AFRONTA AO DECIDIDO NA ADI 3.395. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO PARA DIRIMIR CONFLITOS ENTRE SERVIDORES PÚBLICOS E ENTES DA ADMINISTRAÇÃO ÀS QUAIS ESTÃO VINCULADOS. RECLAMAÇÃO JULGADA PROCEDENTE.
- O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o MI n. 712, afirmou entendimento no sentido de que a Lei n. 7.783/89, que dispõe sobre o exercício do direito de greve dos trabalhadores em geral, é ato normativo de início inaplicável aos servidores públicos civis, mas ao Poder Judiciário dar concreção ao artigo 37, inciso VII, da Constituição do Brasil, suprindo omissões do Poder Legislativo.
- Servidores públicos que exercem atividades relacionadas à manutenção da ordem pública e à segurança pública, à administração da Justiça — aí os integrados nas chamadas carreiras de Estado, que exercem atividades indelegáveis, inclusive as de exação tributária — e à saúde pública. A conservação do bem comum exige que certas categorias de servidores públicos sejam privadas do exercício do direito de greve. Defesa dessa conservação e efetiva proteção de outros direitos igualmente salvaguardados pela Constituição do Brasil.
- Doutrina do duplo efeito, segundo Tomás de Aquino, na Suma Teológica (II Seção da II Parte, Questão 64, Artigo 7). Não há dúvida quanto a serem, os servidores públicos, titulares do direito de greve. Porém, tal e qual é lícito matar a outrem em vista do bem comum, não será ilícita a recusa do direito de greve a tais e quais servidores públicos em benefício do bem comum. Não há mesmo dúvida quanto a serem eles titulares do direito de greve. A Constituição é, contudo, uma totalidade. Não um conjunto de enunciados que se possa ler palavra por palavra, em experiência de leitura bem comportada ou esteticamente ordenada. Dela são extraídos, pelo intérprete, sentidos normativos, outras coisas que não somente textos. A força normativa da Constituição é desprendida da totalidade, totalidade normativa, que a Constituição é. Os servidores públicos são, seguramente, titulares do direito de greve. Essa é a regra. Ocorre, contudo, que entre os serviços públicos há alguns que a coesão social impõe sejam prestados plenamente, em sua totalidade. Atividades das quais dependam a manutenção da ordem pública e a segurança pública, a administração da Justiça — onde as carreiras de Estado, cujos membros exercem atividades indelegáveis, inclusive as de exação tributária — e a saúde pública não estão inseridos no elenco dos servidores alcançados por esse direito. Serviços públicos desenvolvidos por grupos armados: as atividades desenvolvidas pela polícia civil são análogas, para esse efeito, às dos militares, em relação aos quais a Constituição expressamente proíbe a greve [art. 142, § 3º, IV].
- No julgamento da ADI 3.395, o Supremo Tribunal Federal, dando interpretação conforme ao artigo 114, inciso I, da Constituição do Brasil, na redação a ele conferida pela EC 45/04, afastou a competência da Justiça do Trabalho para dirimir os conflitos decorrentes das relações travadas entre servidores públicos e entes da Administração à qual estão vinculados. Pedido julgado procedente. (Rcl 6568, Relator(a): Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 21/05/2009, DJe-181 DIVULG 24-09-2009 PUBLIC 25-09-2009 EMENT VOL-02375-02 PP-00736)
A segurança pública, que indubitavelmente atende necessidades inadiáveis da comunidade, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio (art. 144 da CF). A categoria representada pelo SINGEPERON exerce atividades correlatas, responsáveis pela ordem pública dentro dos presídios e pela incolumidade das pessoas que estão sob a custódia do Estado.
Quanto ao direito de greve dos agentes penitenciários, esta Corte já ponderou noutra oportunidade, quando do julgamento das cautelares inominadas n. 0000927-26.2013.8.22.0000 e 0002366-04.2015.8.22.0000, propostas também em face do SINGEPERON, que não obstante os agentes não prestem a efetiva segurança da população, exercem atribuições a ela ligadas, como serviço de vigilância e custódia de presos, dentre outras atividades que estão diretamente relacionadas com a segurança da população.
Nesse diapasão, embora o movimento de greve consista em exercício regular de direito assegurado constitucionalmente, não se pode dissociar este direito de todo o restante do regramento jurídico, bem como do interesse, bem-estar e segurança da coletividade.
Não se quer com isso negar ao servidor público, de forma geral, o direito de greve, mas sim afirmar que alguns serviços públicos, os quais são imprescindíveis para a manutenção da ordem pública e da segurança pública, dada a sua essencialidade, exigem que os mesmos sejam prestados plenamente, em sua totalidade.
Também não passa desapercebido deste relator o momento político e de insegurança por parte da população pelo qual passa o país, não favorável à redução de serviços ligados à segurança pública, sendo este mais um fator a justificar a concessão da medida pretendida. Presente, portanto a verossimilhança do direito.
No que se refere ao periculum in mora, este também encontra-se presente haja vista que a paralisação dos agentes penitenciários representa um risco tanto às pessoas que estão sob a custódia do Estado, quanto aos familiares destes e toda a sociedade.
Vale mencionar aqui, conforme bem lembrado pelo requerente em sua inicial, que na última paralisação realizada pelos agentes penitenciários no Estado de Rondônia familiares de presos foram feitos de refém, não tendo sua saída liberada pelos próprios presos, bem como a sociedade rondoniense ficou desguarnecida, uma vez que o efetivo da Polícia Militar, que deveria permanecer nas ruas protegendo os cidadãos rondonienses, foram deslocados para os presídios, na tentativa de conter a desordem instalada dentro dos presídios com a paralisação dos agentes penitenciários.
Por fim, consigno que é necessário que seja estabelecido diálogo entre o Estado de Rondônia e o sindicato da categoria a fim de que possam entrar em acordo acerca das reivindicações dos servidores.
Em face do exposto, considerando a verossimilhança dos fatos articulados e o perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, bem como a Reclamação Constitucional n. 6.568 do Supremo Tribunal Federal aplicável à categoria, concedo a liminar para impedir a realização da greve programada pelos servidores do SINGEPERON, determinando que os mesmos se abstenham de paralisar os serviços , perdurando esta ordem até deliberação ulterior, devendo, portanto, ocorrer funcionamento completo de todas as atividades no sistema prisional, sob pena de multa diária de R$50.000,00 (cinquenta mil reais), até o máximo de R$800.000,00 (oitocentos mil reais), ao demandado e multa de R$5.000,00 (diário) aos membros do Sindicato, e aos servidores que aderirem ao movimento paredista.
Visando a composição das partes, seguindo as diretrizes do novo Código de Processo Civil, desde já designo audiência de conciliação para o dia 26/05/2017, às 10:00h, a ser realizada no II Plenário, 5° andar, deste Tribunal, nela comparecendo as partes na pessoa de seus representantes legais, inclusive procuradores, causídicos e representante do Ministério Público, caso queira como custos legis.
Por se tratar de decisão exarada em sede liminar, sem sequer oitiva da parte contrária, reservo-me o direito de revê-la a qualquer tempo diante de informações que recomendem essa atitude, inclusive com a advertência de alteração das astreites, para mais ou para menos.
Expeça-se o necessário com a urgência que o caso requer. Cumprida a ordem liminar com a intimação do requerido, concomitantemente seja o mesmo citado para apresentação de contestação dentro do prazo legal, sob pena de revelia.
Decorrido prazo de resposta, juntada a peça aos autos ou certificado o decurso de prazo in albis, ouça-se o Ministério Público de segundo grau.
Sirva a cópia desta decisão como mandado.
Porto Velho – RO, 10 de maio de 2017.
Desembargador Roosevelt Queiroz Costa
Relator
Autor: Rondoniagora
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