Na manhã de terça-feira, 26, Roger Vender Souza Fagundes, morador de Cabixi, que está 5º período do curso numa faculdade de Santa Cruz de La Sierra, uma das mais prósperas da Bolívia, visitou a redação do Extra de Rondônia, onde relatou sobre a crise política no país vizinho, na qual começou na noite de 20 de outubro de 2019.
De acordo com Roger, a crise política começou na noite de 20 de outubro, que acabou desencadeando uma onda de protestos e manifestações violentas e levaram o então presidente Evo Morales a renúncia e ao exílio, fazendo com que o jovem passasse momentos de apreensão e enfrentasse problemas como desabastecimento e restrição no direito de ir e vir.
Um mês depois Roger conseguiu estar de volta ao Brasil são e salvo, mas os momentos que atravessou sem dúvida deixaram suas marcas. Apesar de Santa Cruz não ter sido palco de muitos conflitos, pelo menos na região onde o estudante habita e frequenta, a cidade sofreu com o impacto da crise política.
“A cidade é dominada pela oposição ao Evo Morales, que tem apoio apenas nas áreas mais periféricas, onde aconteceram confrontos. Mas no ponto em que eu estava havia barreiras nas ruas, e o clima de tensão era permanente. Não posso negar que houve momentos em que temi pela minha integridade física e pela segurança dos estudantes, mas felizmente não fui vítima de violência física”, relembra.
Nos momentos mais tensos da crise, que começou com paralisações gerais por todo o país e resultou em conflitos, o que mais inquietava as pessoas era o bombardeio de fake news que provocam terror. “As notícias eram conflitantes, e a gente não tinha certeza de nada”.
Aliado a isso haviam barreiras em vários pontos da cidade, impedindo o livre acesso das pessoas as estradas de saída, assim como aeroporto e rodoviária. “Em determinado momento ficamos literalmente impedidos de sair da cidade”, garante. O desabastecimento também foi outro fator que trouxe muitos problemas. “As coisas tiveram seus preços multiplicados, e faltou muita coisa nos primeiros dias da crise”, destacou.
Com a instabilidade tomando conta de todo o país o impacto na rotina da faculdade foi inevitável. “As aulas foram paralisadas e fizemos provas e avaliações de fim de período através da internet. E não sabemos ao certo o que vai acontecer no próximo ano. Por enquanto o início do próximo período está confirmado para fevereiro, mas a crise na Bolívia continua, e não dá para prever o que vai acontecer”, lamenta Roger, que pode seguir o exemplo de muitos outros brasileiros que estudam por lá a buscarem transferência para o Paraguaia. “Se eu não me sentir seguro, não voltarei pra Santa Cruz”.
O acadêmico não participa de atividades políticas no país vizinho, mas está bem informado sobre o que acontece por lá. Ele vive numa área onde a oposição a Evo Morales é expressiva, e acha que a crise aconteceu em virtude do país estar “parado, precisando de uma mudança”.
Roger conta que mesmo antes das eleições o clima era tenso, e já dava para antever que poderia acontecer algo grave caso houvesse algum tipo de dúvida a respeito da lisura do pleito, principalmente se Evo vencesse. “Houve fraude sim, não tenho dúvidas, e aí a crise explodiu”.
Um fato curioso que ele relatou é que, apesar da conhecida refração que a maioria dos bolivianos tem com relação aos brasileiros que lá estudam, houve adesão de nossos conterrâneos aos protestos contra o governo do país vizinho. No entanto Roger não ficou sabendo de nenhum caso de violência contra brasileiros durante os momentos mais agudos da crise.
Outra coisa que ele comentou com certo laconismo foi a postura do consulado brasileiro com relação ao fato de cidadãos daqui estarem em meio ao fogo cruzado: “eles só nos aconselharam a ficar em casa e tomar muito cuidado, pois não tinham condições de fazer praticamente nada naquele momento”.
Apesar da restituição de um governo provisório que tenta manter o país funcionando e organizar novas eleições, a situação ainda é complicada na Bolívia. Tanto que para sair de lá Roger ainda enfrentou bloqueio nas estradas e teve que fazer uso de rotas alternativa, por pistas bastante precárias, até chegar em ponto de acesso mais tranquilo ao Brasil. “Foi uma experiência válida, mas não quero repetir, por isso só retorno mesmo para lá no início do ano se a situação estiver normalizada e eu tenha condições de concluir meu curso com tranquilidade e segurança”, encerrou.