Cada vez mais produtores rurais e empresas buscam tecnologias sustentáveis para o combate a pragas e doenças, para o crescimento de plantas e para tornar os solos mais férteis na agricultura brasileira.
O mercado de insumos biológicos ou bioinsumos foi responsável, em 2019, pela movimentação de R$ 675 milhões em biodefensivos, segundo dados da Croplife Brasil, associação que representa o setor.
Na Embrapa, são mais de 600 pesquisadores, situados em quase todos os 43 centros, atuando em pesquisas dedicadas ao controle biológico e ao desenvolvimento de inoculantes, responsáveis pela promoção do crescimento de plantas, por exemplo, os fixadores de nitrogênio e fósforo nos cultivos.
Ciente do crescimento da demanda por bioinsumos, a Empresa coordena uma linha de pesquisa, reunindo diversos projetos no Portfólio “Insumos Biológicos”. O objetivo é ampliar a oferta de bioinsumos para a sociedade.
O lançamento do Programa Nacional de Bioinsumos pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), nesta quarta-feira (27), fortalecerá o setor e contribuirá para consolidar o uso de biodefensivos no país, bem como para acelerar o desenvolvimento de normativas e a criação de novas empresas. A afirmação é de Ivan Cruz, pesquisador da Embrapa Milho e Sorgo (Sete Lagoas, MG) e coordenador do “Portfólio Insumos Biológicos” da Embrapa.
Ele ressalta que a demanda por insumos biológicos para uso na agropecuária é cada vez mais crescente na área de produção convencional e, particularmente, na produção de base agroecológica. “Para suprir esta demanda, há necessidade de investimentos, tanto financeiros quanto humanos, pois a disponibilidade comercial de insumos biológicos ainda é pequena. A Embrapa tem investido nesta linha temática, sabendo que o Brasil, com a imensa biodiversidade que possui, pode, em pouco tempo e especialmente com parceiros externos, aumentar a disponibilidade dos insumos biológicos no país”, afirma.
“A iniciativa do Mapa em criar o Programa Nacional de Bioinsumos é uma sinalização clara do reconhecimento da importância do tema e vai auxiliar de forma decisiva no aumento do uso de insumos biológicos no país, ao criar normativas e, ao mesmo tempo, incentivar a criação de novas empresas para produção e uso de insumos biológicos na agropecuária brasileira”, complementa o coordenador dessa linha de pesquisa na Embrapa.
Outro ponto importante para o programa diz respeito ao fomento e ao estímulo para a pesquisa, o desenvolvimento e o uso dos insumos biológicos. “A Embrapa já vem colaborando com o Mapa há muito tempo, tanto nas descrições de referências como na capacitação técnica, necessárias para produção, registro e uso corretos dos diferentes insumos biológicos”, explica Cruz.
O Portfólio “Insumos Biológicos” engloba três temas importantes: controle biológico, promoção do crescimento de plantas e bioativos. Nesta visão, os ativos gerados pela pesquisa, como compostos bioativos e macro e microrganismos (agentes de controle biológico e microrganismos promotores de crescimento de plantas) são a base para o desenvolvimento de bioinsumos e/ou tecnologias para atenderem as demandas do setor produtivo.
Em muitos casos, a pesquisa é realizada com parceria externa à Embrapa. Essa lógica tem como ponto de partida a prospecção e a caracterização de ativos biológicos, passando por desenvolvimento e validação de novos produtos, tecnologias, práticas e processos agropecuários, indo até a análise do impacto dos ativos efetivamente adotados no mercado.
LABORATÓRIOS E BANCOS DE GERMOPLASMA
A Embrapa dispõe de diversos bancos de germoplasmas microbianos dedicados exclusivamente à preservação e caracterização de microrganismos, agentes de controle biológico de pragas e promotores de crescimento de plantas. Um universo que totaliza mais de 10 mil linhagens de bactérias, fungos e vírus controladores de pragas e doenças de plantas e mais de 14 mil linhagens de micro-organismos fixadores de nutrientes e promotores de crescimento de plantas, mantidos em pelo menos sete Unidades da Empresa.
Na Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia (Brasília, DF), há uma relevante coleção de bactérias, vírus e microrganismos que ajudam na produção de defensivos agrícolas sem adição química. Além disso, um dos serviços mais procurados da Unidade, que conta com a produção de ativos disponíveis ao mercado e treinamento de pessoal nesse campo, é o Laboratório de Bactérias Entomopatogênicas (LBE), onde são desenvolvidos produtos não-químicos para o combate a pragas agrícolas e doenças.
“No LBE são realizadas pesquisas voltadas ao desenvolvimento de biolarvicidas à base dessas bactérias e de outras para controlar pragas agrícolas e mosquitos transmissores de doenças, como por exemplo, o mosquito transmissor da dengue (Aedes aegypti) e a lagarta Spodoptera frugiperda, que é a pior praga do milho, entre outros”, comenta a pesquisadora Rose Monnerat, coordenadora do laboratório. Segundo a especialista, é possível fazer uso do controle biológico para quase tudo, como no controle a lagartas, besouros, nematóides, entre outros.
Uma das referências do LBE, além dos ativos finalizados ou em fase de finalização, é a creditação pela Coordenação Geral de Acreditação do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), que reconhece a competência técnica do laboratório para prestação de serviços a empresas nacionais e internacionais por desenvolver projetos quanto à identificação, pureza e viabilidade de amostras das bactérias Bacillus thuringiensis e Lysinibacillus sphaericus.
Além do uso nas lavouras, o controle biológico pode também ser usado na veterinária e na saúde pública, como o combate às larvas do mosquito Aedes aegypti, transmissor da dengue, zika, chikungunya e febre-amarela. Foi a partir da bactéria Bti (Bacillus thuringiensis israelensis), que a Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia criou o bioinseticida para combater as larvas da dengue, assim como outro para defesa das lavouras de soja, algodão, milho e hortaliças atacadas por lagartas. São produtos inofensivos à saúde humana e dos animais e ao ambiente.
PESQUISAS COM BIOINSUMOS
As pesquisas com insumos biológicos ou bioinsumos se iniciaram na Embrapa assim que a Empresa foi criada, no início dos anos de 1970. A pesquisadora Johanna Döbereiner foi a grande liderança desses estudos, que contribuíram de forma significativa para o entendimento e a aplicação da fixação biológica de nitrogênio e a promoção de crescimento de plantas na agricultura brasileira.
Três ex-alunos de Döbereiner – José Roberto Peres, Milton Vargas e Alert Suhet – foram responsáveis pelas primeiras pesquisas sobre bioinsumos na região dos cerrados. Desenvolvidos na Embrapa Cerrados (DF), os estudos culminaram no lançamento das quatro estirpes de rizóbios atualmente recomendadas para a inoculação da cultura da soja, uma tecnologia que gera economia de bilhões de dólares anuais para a agricultura nacional.
As pesquisas com insumos biológicos na Embrapa Cerrados têm envolvido a seleção de bactérias fixadoras de nitrogênio (rizóbios) para leguminosas produtoras de grãos, forrageiras e adubos verdes. Além disso, junto com parceiros de outras unidades da Embrapa e de instituições de pesquisa e ensino nacionais e internacionais, o centro de pesquisa tem atuado no estudo de microrganismos e moléculas promotoras de crescimento de plantas e avaliado a utilização de bioinsumos emdiversos sistemas de manejo agrícola.
Atuante na área e também ex-orientando de Döbereiner, o pesquisador Fábio Bueno, da Embrapa Cerrados, está animado com o lançamento do Programa Nacional de Bioinsumos. “Temos a oportunidade de construir uma importante plataforma de integração entre o poder público, a pesquisa, a indústria e os produtores rurais para alavancar a geração, produção e adoção de insumos biológicos em nossa agricultura”, afirma.
Bueno acredita que as ações do Programa, apoiadas em bases técnico-científicas, poderão estimular o desenvolvimento e a oferta de produtos eficientes, com qualidade e segurança biológica comprovadas. “Podemos esperar, consequentemente, que o aumento na adoção desses insumos nos sistemas produtivos apresentará reflexos na preservação ambiental, na produtividade, qualidade, competitividade e sustentabilidade do agronegócio”, projeta.
CURSOS, CAPACITAÇÃO E BIOFÁBRICAS
Uma das ações do Programa Nacional de Bioinsumos é propor a elaboração de normas e protocolos para a instalação de unidades produtoras de bioinsumos – as biofábricas – e discutir a legislação para aperfeiçoar os processos de registro de produtos e garantir segurança jurídica aosprodutores.
Segundo Rose Monnerat, pelo fato de o mercado de bioinsumos estar em pleno crescimento, há também o interesse de produtores rurais em instalar suas próprias biofábricas e prepararem seus insumos biológicos.
“Para isso, contudo, são necessários técnicos capacitados. Nesse sentido, a Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia oferece, pelo menos duas vezes ao ano, o curso controle biológico, que disponibiliza aos participantes conteúdos técnicos e práticos sobre como controlar as pragas agrícolas e os insetos transmissores de doenças a partir do uso de seus inimigos naturais”, esclarece a pesquisadora.