A reunião de conjuntura de novembro do Centro de Inteligência do Leite da Embrapa Gado de Leite demonstrou preocupação com a redução do auxílio emergencial do governo federal, que contribuiu para manter o setor lácteo nacional praticamente imune ao coronavírus.
Segundo o analista José Luiz Bellini, o desemprego elevado, a redução do valor da ajuda emergencial do governo e as fracas exportações, indicam desaquecimento no mercado. “Nós só não sabemos ainda a força e a dimensão deste desaquecimento”, diz.
Em maio, os preços dos produtos lácteos no atacado começaram um movimento de valorização, atingindo seu pico em setembro. “Quanto à oferta, além da entressafra, a produção foi negativamente afetada no primeiro semestre de 2020 por seca em algumas regiões, alta nos custos de produção e redução da importação, sob influência da forte alta da taxa de câmbio”, diz o também analista da Embrapa Gado de Leite, Denis Rocha.
O que se viu, segundo ele, foi a redução da disponibilidade interna da matéria prima, contribuindo com a elevação de preços ao longo de toda a cadeia. A partir daí os preços começaram a perder força e projetavam um novo momento econômico do setor até o início deste mês de novembro. O leite em pó fracionado, que aumentou 44,2%, apresentou um recuo de 11,8%. O queijo muçarela aumentou 77,2% e em seguida perdeu força com recuo de 14,5%. Já o preço do leite UHT (caixinha), que teve aumento 46,5%, retraiu 21,9% posteriormente.
O preço do leite no mercado spot (comércio de leite entre laticínios) também foi impactado com aumento de 101,5% de maio a setembro, refletindo o aquecimento da demanda diante da redução da oferta. Entretanto, esse mercado perdeu forças a partir da segunda metade de setembro, com os preços recuando 28,6% até o início de novembro.
“Durante o período de alta mais expressiva nos preços, a busca por matéria prima se acirrou de tal forma que alguns pequenos e médios laticínios não puderam honrar com os compromissos de venda de produtos por falta de leite”, afirma Bellini. Essa procura levou a forte valorização dos preços pagos aos produtores. Segundo dados do Cepea, de fevereiro a outubro, os preços médios aos produtores no Brasil subiram 52,3%, atingindo R$2,16/litro.
Contudo, com essa mudança no patamar de preços no mercado interno, as importações voltaram a ficar competitivas e começaram a crescer de forma consistente desde maio. “Os volumes importados em setembro e outubro ficaram próximos de 180 milhões de litros equivalente, o que representa cerca de 8,5% da produção inspecionada mensal, caracterizando força importadora neste segundo semestre” relata Bellini. “Essa forte internalização de leite impactou os preços domésticos em novembro com recuo aos produtores, que enfrentam, ainda, aumento do custo de produção, advindo da expressiva elevação dos preços de insumos básicos de produção como soja e milho.”, completa Bellini.
Sobre os custos de produção, 2020 já acumula uma inflação de 14,12% (dados do ICPLeite/Embrapa). A analista Manuela Sampaio Lana afirma que a alimentação concentrada foi o grupo que sofreu maior variação, chegando a 29,68%. “A desvalorização do real frente ao dólar, combinada ao aumento da demanda por grãos provocou essa alta, que segue firme e deve permanecer nessa tendência devido ao atraso do plantio da soja, o que pode diminuir a produção do grão e a sua consequente disponibilidade”, diz a analista.
Entretanto, a partir da segunda semana de novembro viu-se um fortalecimento dos preços dos produtos lácteos no atacado. O leite UHT chegou a valorizar 10%, enquanto que o queijo muçarela e o leite em pó fracionado registraram altas mais modestas, na casa dos 2%. Essa mudança no atacado já refletiu no mercado spot, que registrou forte valorização de 14,2% nas negociações da segunda quinzena de novembro. A recuperação de preços que vem ocorrendo mais recentemente em novembro tem algumas explicações. De acordo com o pesquisador da Embrapa Gado de Leite, João Cesar Resende, há um receio de que a safra do Sudeste possa não ser tão grande, sobretudo pelo forte aumento dos custos de produção. Além disso, a seca está prejudicando a oferta de leite no Sul do Brasil.
CLIMA
O pesquisador Ricardo Andrade informa que o fenômeno La Niña pode mudar o regime de chuvas, principalmente, na Região Sul. Segundo ele, os modelos do INMET indicam chuvas abaixo da média histórica (exceção para o noroeste do Paraná, onde choverá acima da média). “Vale ressaltar que, nos primeiros vinte dias de outubro, choveu menos de 25% do esperado para o mês em grande parte dos territórios de Santa Catarina e Rio Grande do Sul”, conta Andrade. Em novembro, continua o déficit hídrico na maior parte da Região.
“As safras podem ser afetadas com períodos de estiagem mais frequentes e o oeste do Rio Grande do Sul e Santa Catarina já sofrem com a falta de chuva, lembra Andrade, que completa: “É preciso chover em momentos certos para que a planta se desenvolva. Os períodos de crescimento vegetativo, floração e enchimento dos grãos demandam água. Já, na colheita, água em excesso é prejudicial. Quanto às pastagens, o sistema radicular das gramíneas tem pouca profundidade. Chuvas concentradas num período curto ou intercaladas de veranicos prolongados afetam o desenvolvimento das pastagens.”
Perspectivas – Para 2021, as perspectivas do setor estarão atreladas à pandemia e ao crescimento mundial da economia. Segundo projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI), a economia mundial deve crescer 5.2% no próximo ano. No Brasil, a previsão de crescimento é de 2.8% e na China, nosso principal parceiro comercial, a previsão é de um crescimento 8,3%.
Para Bellini, o forte crescimento esperado na Ásia (8%) garante mercado comprador para produtos agropecuários brasileiros (grãos e carnes), devendo manter os preços de milho e soja mais elevados. O boletim Focus do Banco Central de seis de novembro, prevê o dólar a R$5,20 em 2021, indicando que importações de lácteos podem também se estabelecer em patamares mais altos dependendo dos ajustes de preços em curso no mercado.
A conclusão dos especialistas da Embrapa é de que o cenário com demanda interna possivelmente mais fraca, exportações em baixos volumes, aumento do custo de produção, redução dos preços pagos aos produtores e importações elevadas, podem significar fortes desafios para a cadeia produtiva do leite no próximo ano. “Isso exigirá melhor coordenação da cadeia, gestão para maior eficiência dos sistemas de produção, redução do custo Brasil e esforços para aumento das exportações”, sugere Bellini.