Um ato público organizado pelo Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos (CEBRASPO) e Associação Brasileira dos Advogados do Povo (ABRAPO) foi realizado em Porto Velho e denunciou uma série de violações contra populações camponesas, indígenas e quilombolas em Rondônia.
O ato ocorreu no Auditório do Sindicato dos Servidores Públicos Federais de Rondônia (SINDSEF/RO), que apoiou a iniciativa, e reuniu inúmeras organizações populares, advogados, ativistas, intelectuais, pesquisadores da UNIR e IFRO. A ação foi pensada de forma híbrida, uma vez que houve participação presencial limitada e participação online por meio de videochamada para garantir as medidas de isolamento social.
Além disso, diversas mensagens dos que não puderam comparecer, foram gravadas, enviadas aos organizadores e transmitidas para os presentes do ato. Entre eles destaca-se o procurador federal Raphael Bevilaqua; o Prof. Dr. Ricardo Gilson da Costa, coordenador do Grupo de Pesquisa em Gestão do Território e Geografia Agrária da Amazônia (GTGA/UNIR), o Prof. Dr. Artur Moret, coordenador do Grupo de Pesquisa Energia Renovável Sustentável (GPERS/UNIR), do jornalista Montezuma Cruz; e de lideranças indígenas Karipuna, Guarasugwe e Mura.
A mesa foi coordenada pela vice-presidente do CEBRASPO e primeira secretária da regional norte 1 do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES), professora Drª Marilsa Miranda de Souza, do Departamento de Ciência da Educação da Universidade Federal de Rondônia.
Estiveram presentes e se manifestaram na mesa a liderança indígena Elivar Karitiana; a presidente do CEBRASPO, Profª Drª Fátima Silianky (UFRJ); o Prof. Me. Uilian Nogueira Lima, coordenador do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas (NEABI/IFRO); O prof. Dr. Marco Antônio Domingues Teixeira Grupo de Estudos e Pesquisas Interdisciplinares Afro e Amazônicos (GEPIAA/UNIR), um representante do DCE/UNIR, a pesquisadora Amanda Michalski do GTGA/UNIR e que integra a assessoria da Comissão Pastoral da Terra (CPT/RO); um representante da Comissão Nacional das Ligas dos Camponeses Pobres; e um representante da Executiva Nacional dos Estudantes de Pedagogia (ExNEPe).
Em sua fala, o procurador Raphael Bevilaqua destacou que acompanha desde 2013 aqueles que tem na luta pela terra a sua vida enquanto a concretização de um sonho, manifestou que a o direito de propriedade só é efetivo se esta exerça uma função social e que em Rondônia, desde 2016, não se efetivou nenhuma desapropriação de terra e que, de fato, não há uma política de reforma agrária em nosso país, mas um processo de regularização de propriedade de grileiros por meio de mudanças no ordenamento jurídico.
Destacou também a questão da criminalização não só da luta pela terra, do movimento camponês, mas também de advogados que atuam na defesa de direitos humanos, sobretudo do campesinato pobre.
O representante da Comissão Nacional das Ligas dos Camponeses Pobres denunciou toda montagem orquestrada pelo monopólio de imprensa e agentes estatais para criminalizar os camponeses do acampamento Tiago dos Santos (Porto Velho), denunciando que o acampamento foi cercado, crianças ficaram sem leite (leite doado por pequenos sitiantes do distrito de Nova Mutum Paraná), helicópteros sobrevoaram a área atirando e despejando cápsulas de munição para incriminar os camponeses, utilizando um verdadeiro terror contra as mais de 600 famílias e 2.400 homens, mulheres e crianças do Acampamento Tiago dos Santos.
As denúncias feitas foram que os camponeses foram rendidos, roubados de seus parcos recursos financeiros e celulares, amontoados sob a mira de armas e despejados em uma Vila próxima, obrigados a retirar a máscara em pleno aumento da pandemia no Estado. Nas áreas onde a LCP atua, o período de acampamento é provisório.
As terras são medidas, cortadas e entregue para os camponeses. Tudo em assembleia, democraticamente, por sorteio. Isso se chama Corte Popular, aplicado pela LCP como parte do processo da Revolução Agrária defendida por esse movimento.
A liderança indígena Rosa Guarasugwe, Estudante do curso de Direito da UNIR, em mensagem de áudio, denunciou aos participantes que seu povo se encontra fora das terras tradicionais por que foram expulsos há muito tempo, no período dos seringais (ciclo da borracha), na região do Vale Guaporé, nas proximidades da atual Cidade de Seringueiras, na região do Parque Corumbiara.
O povo Guarasugwe encontra-se disperso, parte em território boliviano, próximo à localidade Bela Vista, na região de fronteira com o Brasil e outros espalhados em diversos municípios de Rondônia. A liderança indígena destaca que “A luta maior do nosso povo é pra se manter vivo, enquanto povo indígena e o que move a nossa luta é a questão do nosso território tradicional”.
A indígena destacou ainda as diversas lutas por direitos, contanto com o apoio do Ministério Público Federal e da atuação imprescindível do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) em suas lutas e reivindicações junto à FUNAI. A luta pelo reconhecimento étnico e pela demarcação das terras de 06 povos indígenas de Rondônia que estão fora de seus territórios tradicionais também foi denunciado pelas lideranças indígenas.
O chamado Marco temporal – uma das principais ameaças à luta por territórios indígenas – é uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) que defende que povos indígenas só podem reivindicar terras onde já estavam no dia 5 de outubro de 1988.
Os representantes do CEBRASPO e da ABRAPO denunciaram, ainda, que há operações dirigidas pelo Governo do estado com sua polícia Militar truculenta, ameaçando, revistando e humilhando os camponeses que saem ou entram em diversos acampamentos em Rondônia, fazendo cerco nas estradas, etc.
Além disso, o senador Flávio Bolsonaro tem visitado Rondônia, de forma pública ou furtiva, participado de reuniões dos latifundiários. Também denunciaram que no dia 23 de dezembro houve reunião dos latifundiários com as forças policiais e o governo de Rondônia para traçar as estratégias de repressão aos camponeses e indígenas.
Relatam ainda a necessidade de realizar amplo trabalho de denúncias, diante dos fatos apresentados, para que a verdade prevaleça e seja devolvido a dignidade a esses camponeses e camponesas que sofreram as violências de agentes estatais e grupos de pistolagem.
A liderança indígena Elivar Karitiana, saudou os participantes e destacou as inúmeras lutas dos povos indígenas de Rondônia e os desafios que se tem enfrentado nesse cenário de pandemia e de ataques a seus territórios. Observou que a luta dos indígenas, camponeses e quilombolas é uma só e que a aliança com as organizações populares da cidade é de suma importância para a conquista de direitos.
As diversas entidades estudantis de Rondônia e de outros estados brasileiros, manifestaram sua solidariedade à luta pela terra, conclamando a necessidade de se defender a luta de camponeses, quilombolas e indígenas, constituindo um Comitê Permanente de Apoio à Luta pela terra em Rondônia, não apenas para denunciar os crimes do latifúndio, mas, também, constituir redes de solidariedade entre as inúmeras organizações populares, intelectuais e pesquisadores visando apoiar através de campanhas nacionais arrecadando recursos financeiros e materiais.
O professor Dr. Artur Moret, da UNIR, se solidarizou e denunciou um processo de reacionarização do Estado brasileiro, sobretudo em Rondônia, com a crescente processo de violência no campo, invasão de terras indígenas e que levam os camponeses e indígenas a viverem em situação de perigo e, que muitos democratas e intelectuais honestos “estão atentos e solidários à luta do campo, porque a terra é um direito social”.
O prof. Dr. Ricardo Gilson, da UNIR, observou que vivemos em um cenário extremamente difícil de “expropriação e violência e de ataques sociais, onde o direito à terra cada vez mais é negligenciado pelo Estado brasileiro, cujo a resposta tem sido a criminalização, como observamos em Rondônia. Nossa defesa é de que é esta é uma luta social, mas também é uma luta acadêmica”.
Os professores Marco Teixeira, da UNIR; e Uilian Nogueira, do IFRO, destacaram os ataques que as populações quilombolas e extrativistas tem sofrido, sobretudo com o avanço do agronegócio, o conflito com o próprio exército brasileiro em áreas quilombolas que passaram a ser controladas pelos militares e uma série de prisões arbitrárias pela qual passam essas populações.
Destacaram a necessidade de se constituir espaços de denúncia e diálogo, mas também de construção de instrumentos que contribuam para a formação e organização dessas populações que vivem no campo, envolvendo, sobretudo, as Instituições Federais de Ensino Médio e Superior, enquanto instituições que sirvam ao povo.
Amanda Michalski, pesquisadora do GTGA/UNIR expôs uma análise sociopolítica e econômica das regiões de conflito agrário, observando sobretudo a região de União Bandeirantes e denunciando o comércio ilegal de terras públicas, desmatamento e expulsão de povos de comunidades tradicionais e indígenas dirigidas pela expansão do capital agropecuário em Rondônia.
Entre as manifestações presenciais e por vídeo das lideranças indígenas, destacam-se as denúncias feitas pela indígena Márcia Mura, que têm se organizado de forma autônoma neste período de pandemia, por demarcação dos territórios Mura de Autazes, Borba e do Rio Itaparanã.
Márcia ainda defendeu as lutas de outros povos por territórios, como os Guarasugwe, da defesa dos seus territórios invadidos, a exemplo dos povos das Terras Indígenas Karipuna e Uru-Eu-Wau-Wau. Destacou ainda a luta por retomada de territórios, como o exemplo dos Karitiana. Lembrou ainda da luta pela sobrevivência do Povo indígena venezuelano Warao que foi obrigado a migrar para o Brasil e muitos indígenas desse povo está em Porto Velho.
A denúncia feita pelos indígenas é que há uma política de genocídio em razão da desassistência em saúde e ataques aos seus territórios. A liderança Mura também foi enfática em dizer que: “Estamos aqui para nos unir, também, à luta camponesa, dos camponeses sem-terra, de todos aqueles que querem justiça, pela garantia de seus territórios e terra para plantar e produzir. Precisamos sim, todos ter esse direito. A invasão dos territórios indígenas não é a solução para resolver o problema da falta de terra para todos. É preciso que seja feita uma distribuição de terra, tirando desses grandes latifundiários e desses invasores de nosso território. Força, Resistência, nenhum direito a menos!”
Por fim, uma série de denúncias de diversas áreas foram relatadas, como por exemplo, a situação de iminente despejo vivida pelos camponeses da área Canaã, em Ariquemes. Em Chupinguaia os camponeses do Acampamento Manoel Ribeiro e moradores de assentamentos vizinhos que além das ameaças e intimidações da polícia militar e da pistolagem, agora tem sofrido com a contaminação de igarapés e solos pelo uso de agrotóxico e pesticidas aplicados pelos latifundiários da região.
Crianças e adultos do Acampamento Manoel Ribeiro e áreas vizinhas passaram a apresentar sintomas de coceiras e alergias desde o início da pulverização do veneno, além de terem encontrado insetos, pássaros e peixes mortos nas proximidades.
O uso indiscriminado dos pesticidas, aplicado na eliminação de parte do pasto e insetos para o plantio da soja, ocorre no momento em que se inicia o período das chuvas, fato este que agrava ainda mais a contaminação dos mananciais, solo e lençóis freáticos com a infiltração do veneno na terra.
Ainda, durante o ato, os camponeses da área do Assentamento Nova Floresta, da região dos Municípios de Governador Jorge Teixeira e do município de Campo Novo de Rondônia, (uma área de 22 mil hectares), denunciaram que estão sendo ameaçados de despejo, que essa área foi grilada pelo latifundiário Ernandes Amorim que passou a explorar madeira e minérios. Atualmente, há dois anos inúmeras famílias ocupam a área e são ameaçados por pistoleiros.
No encerramento do ato, com punhos cerrados e segurando cartazes do acampamento Tiago dos Santos, os participantes saudaram a resistência de camponeses, indígenas e quilombolas de todo o país.