O Ministério Público Federal (MPF) obteve decisão liminar na Justiça Federal que obriga a Funai a incluir em seus sistemas os limites das terras indígenas em nove municípios do sul de Rondônia. A Funai também deverá emitir, se necessário, declaração de reconhecimento de limites dessas terras. Na mesma decisão, o Incra passou a ser obrigado a considerar as terras indígenas nas análises de sobreposição de terras que fizer.
Antes da liminar da Justiça Federal, apenas as terras indígenas homologadas constavam nos sistemas e eram consideradas na análise de sobreposição de terras. Com a liminar, as outras terras indígenas serão também consideradas, independentemente da etapa do processo de demarcação. Assim, terras reivindicadas formalmente por grupos indígenas, em fase de estudo e identificação, delimitadas, declaradas e com portarias de restrição de uso agora terão que voltar aos cadastros e ficam proibidos os cadastros sobrepostos de particulares.
A decisão contemplou as áreas indígenas que estejam nos municípios de Cabixi, Cerejeiras, Chupinguaia, Colorado do Oeste, Corumbiara, Espigão d’Oeste, Pimenta Bueno, Pimenteiras do Oeste e Vilhena. O Incra, como gestor do Sistema de Gestão Fundiária (Sigef), deve providenciar as medidas necessárias para que seja cumprida a decisão.
Na prática, a liminar suspende a Instrução Normativa (IN) 09/2020 da Funai, que permitia o registro de propriedades privadas sobrepostas a terras indígenas ainda não homologadas pelo governo brasileiro. A liminar atende pedido do MPF, que demonstrou que, ao retirar dos sistemas de gestão fundiária (Sigef) e de cadastro ambiental rural (Sicar) das terras indígenas cujos processos de demarcação ainda não foram concluídos, na prática a portaria liberava a grilagem de áreas e poderia intensificar conflitos agrários.
ENTENDA O CASO
Ao todo, procuradores da República ajuizaram 28 ações judiciais na primeira instância da Justiça Federal, pedindo a suspensão da IN 09/2020, com 19 decisões judiciais favoráveis. Atualmente, a norma da Funai está suspensa por ordens judiciais em oito estados da Federação: Pará, Mato Grosso, Amazonas, Acre, Roraima, Rondônia, Bahia e Rio Grande do Sul, o que garante a proteção de mais da metade das terras indígenas brasileiras.
Em recursos à segunda instância, o governo federal até agora conseguiu reverter três liminares em Mato Grosso do Sul e suspender duas, em Santa Catarina e no Ceará. Duas liminares foram negadas, nas subseções judiciárias de Dourados (MS) e Foz do Iguaçu (PR) e o MPF aguarda decisão sobre recursos nesses dois casos. Das 28 ações civis públicas ajuizadas sobre o tema em todo o país, cinco ainda estão pendentes de apreciação, em Belém (PA), São Luís (MA), Carazinho (RS), Ji-Paraná (RO) e São Paulo (SP). Cinco das liminares deferidas já foram confirmadas por sentenças, em Santarém (PA), Tucuruí (PA), Castanhal (PA), Rio Branco (AC) e Boa Vista (RR). Em uma das ações judiciais iniciadas pelo MPF, em Belo Horizonte (MG), houve declínio de competência.
O MPF sustenta nas ações judiciais que a IN 09/2020 contraria o caráter originário do direito dos indígenas às suas terras e a natureza declaratória do ato de demarcação; cria indevida precedência da propriedade privada sobre as terras indígenas, em flagrante ofensa à Constituição; representa indevido retrocesso na proteção socioambiental; incentiva a grilagem de terras e os conflitos fundiários; entre outros problemas. As decisões judiciais obtidas determinam a manutenção das áreas indígenas ainda não homologadas no Sistema de Gestão Fundiária (Sigef) e no Sistema do Cadastro Ambiental Rural (Sicar).