Ao mesmo tempo em que o Brasil bate recordes de produção e produtividade na agricultura e se consolida como um dos maiores produtores e exportadores de alimentos do mundo, com uma produção agropecuária estimada em 1 trilhão de reais para este ano, falta comida na mesa de muitos brasileiros e o país encara a volta ao mapa da fome.
“Somos o maior produtor de alimentos do mundo, pagamos mais caro pelo arroz, feijão e pela carne e está faltando comida na mesa de muitos brasileiros. Isso acontece porque não temos mais uma política de segurança alimentar efetiva e nem política de preço mínimo para os alimentos, que é o que vamos passar a analisar nesta comissão”, disse o senador Acir Gurgacz (PDT-RO), presidente da Comissão de Agricultura e Reforma Agrária do Senado, que comandou nesta quinta-feira, 12, uma audiência pública para discutir a Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PNSAN).
De acordo com dados mais recentes da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), 43,4 milhões de cidadãos do país não têm alimentos em quantidade suficiente e 19 milhões enfrentam a fome. A pesquisa foi divulgada no final de 2021.
O senador Acir Gurgacz lamentou que Brasil tenha ficado fora do mapa da fome por apenas 5 anos – de 2013 a 2018 – quando voltou a ultrapassar a marca de 5% da população com fome.
“Podemos dizer que é um retrocesso de 15 anos em cinco, visto que a Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional foi criada em 2010, com amplo alcance de ações da sociedade civil, dos conselhos de segurança alimentar e de programas governamentais que estão sendo desmontados”, frisou Gurgacz.
Apesar desses números apresentados pelo senador na abertura da audiência, o diretor executivo da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Sergio De Zen, disse que o
o Brasil não só na sua oferta está conseguindo abastecer o mercado nacional, mas também está tendo um importante papel na segurança alimentar do mundo, quando consegue, através de produção e produtividade, ofertar ao mundo uma quantidade de alimentos que ajuda a mitigar os problemas sociais.
“É muito importante a gente separar em dois blocos, em dois problemas distintos a questão da segurança alimentar. Um problema central é a produção, se a gente não gerar alimentos, nós não temos o que distribuir ou como alimentar a população. E o outro problema é a questão da renda. Então, dentro do Ministério da Agricultura, nós temos que resolver o problema da oferta do produto, do abastecimento. O problema da renda foge à nossa competência. As ferramentas que nós temos não são suficientes para nós resolvermos. Então, são dois problemas distintos. E o Brasil resolveu muito bem o seu problema de oferta de alimentos. Quer dizer, a agricultura brasileira é uma das mais eficientes do mundo”, destacou Zen.
Já o diretor executivo da Ação de Cidadania pela Segurança Alimentar, Rodrigo Afonso, discordou dos argumentos apresentados pelo diretor da Conab.
“Eu peço até desculpas pela forma como eu vou dizer – que eu não sei em que Brasil o Sergio Zen vive, porque não é a realidade que a gente enxerga, com todos esses dados e informações que ele passa, como se a segurança alimentar brasileira estivesse no rumo certo – e, obviamente, não está. Quando a gente olha para um país onde a gente sai do mapa da fome, em 2014, e, apenas quatro anos depois, volta ao mapa da fome, em 2018, e dobra praticamente esse número, em 2020, alguma coisa não está funcionando”, disparou.
Afonso apresentou dados do Ministério da Agricultura, em que Plano Safra de 2019/2020 teve a seguinte divisão: R$27 bilhões para pequenos produtores, R$29 bilhões para médios produtores e R$135 bilhões para grandes produtores. Segundo dados do Banco Central, a pecuária foi a atividade que recebeu mais créditos, quase R$75 bilhões, seguida pela soja, com R$61 bilhões; pelo milho, com R$26 bilhões; pelo café, com R$15 bilhões; e pela cana-de-açúcar, com quase R$14 bilhões.
“Não precisa ser um expert para saber que todos esses itens privilegiam a exportação, não a alimentação do povo brasileiro”, avaliou Afonso.
Segundo ele, o agronegócio está estagnado, com 1,4 milhões de empregos. Desde 2009, não sobe a quantidade de empregados no agronegócio. Para efeito de comparação com os cinco maiores segmentos da economia, a construção civil emprega 5 milhões; a indústria, 8 milhões; o comércio, 9,5 milhões; e a área de serviços, o verdadeiro motor da economia, 28 milhões de pessoas.
Diante desses dados, Afonso questiona: “será que a gente precisa, de fato, olhando um modelo que privilegia a exportação de commodities enquanto os pequenos produtores recebem cada dia menos apoio, será que, de fato, a gente precisa subsidiar tanto a soja, a cana, que são usados para exportação, enquanto a gente deixa de lado quem alimenta de fato o Brasil, quem produz o alimento?”