A pandemia de Covid-19 deixou 40.830 crianças e adolescentes órfãos de mãe no Brasil até o final de 2021, conforme mostrou estudo de pesquisadores da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) e da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), publicado na revista científica Archives of Public Health. Cientistas também alertam para “desfechos adversos” da orfandade.
O levantamento levou em consideração os dados do SIM (Sistema de Informações sobre Mortalidade), do Ministério da Saúde, em 2020 e 2021, e do Sinasc (Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos), entre 2003 e 2020. Uma das limitações da pesquisa é que as informações de mortes de 2021 são preliminares.
No artigo, os pesquisadores alertam que a morte de um “progenitor”, especialmente da mãe, está ligada a “desfechos adversos ao longo da vida e tem graves consequências para o bem-estar da família”.
“A experiência da epidemia do HIV/SIDA tem demonstrado que as crianças órfãs são particularmente vulneráveis a nível emocional e comportamental, exigindo programas de intervenção para atenuar as consequências psicológicas da perda de um dos progenitores”, escreveram.
Em nota, o coordenador do Observa Infância, da Fiocruz, Cristiano Boccolini, um dos autores do estudo, defendeu que o país precisa adotar urgentemente “políticas públicas intersetoriais de proteção à infância”.
“Considerando a crise sanitária e econômica instalada no país, com a volta da fome, o aumento da insegurança alimentar, o crescimento do desemprego, a intensificação da precarização do trabalho e a crescente fila para o ingresso nos programas sociais, é urgente a mobilização da sociedade para proteção da infância.”
Boccolini destacou também que a pesquisa mostrou que a Covid foi “responsável por um terço de todas as mortes relacionadas a complicações no parto e no nascimento entre mulheres jovens”.
“O que representa um aumento de 37% nas taxas de mortalidade materna no Brasil, em relação a 2019, quando ela já era alta. A cada mil bebês nascidos vivos, uma mãe morreu no Brasil durante os dois primeiros anos da pandemia”, apontou.
O estudo revela que nos dois primeiros anos da pandemia, a Covid foi responsável por um quinto das mortes registradas no país (19%). No entanto, não afetou a todos igualmente. Os pesquisadores mostraram que os menos escolarizados foram afetados desproporcionalmente pela doença.
A taxa geral de mortalidade pela doença foi de 14,8 óbitos para cada 10 mil habitantes. Quando observados apenas os analfabetos, ela foi de 38,8 para cada 10 mil, três vezes maior do que a taxa entre pessoas com educação superior (13/10 mil).
Uma das hipóteses dos pesquisadores para explicar o resultado é que indivíduos de baixa escolaridade ficaram mais expostos à infecção pela necessidade de trabalhar fora de casa, sem a possibilidade de parar de trabalhar durante a pandemia.
Eles também apontam que a população urbana de baixo nível socioeconômico está concentrada em favelas nas grandes metrópoles brasileiras, “impedindo o cumprimento das medidas de distanciamento social e isolamento dos casos diagnosticados”.
“A desigualdade socioeconômica acarreta iniquidades no acesso aos serviços de saúde e, consequentemente, dificuldades no diagnóstico oportuno e no tratamento dos casos”, destacou Wanessa da Silva de Almeida, uma das autoras da pesquisa, em nota.