Desde adolescente, em 2004, Fernando da Silva está na estrada. Nunca mais voltou para casa. Atualmente, está de passagem por Vilhena.
O andante solitário dorme em barraca, toma banho em posto de gasolina, onde também costuma se alimentar. Aqui na cidade, ele comercializa seus artesanatos na praça Nossa Senhora Aparecida, centro. Veio do Acre e em alguns dias seguirá para Aripuanã (MT).
Conhece boa parte do Brasil “a bordo” de uma bicicleta, mantendo vivo o lema “Paz e Amor” (Love and Peace, em inglês), frase idiomática associada ao movimento hippie
Nascido em Socorro, no interior de São Paulo, Fernando teve uma infância diferente. Bem pequeno, ele viajava com sua mãe e duas irmãs para comercializar produtos em barracas, durante quermesses. Também fazia o papel de guia turístico, levando visitantes às inúmeras cachoeiras de sua terra natal.
Mas foi aos 17 anos de idade, após concluir o ensino médio, que o rapaz resolveu ganhar o mundo de vez. “Sempre gostei de cultura, turismo, movimento. Fui com uma namorada para São Thomé das Letras [cidade do Sul de Minas], em 2004, e aí a família dela foi buscá-la. Eu resolvi ficar por lá. Foi o ponto de partida das minhas viagens, que duram até hoje”, relata.
São Thomé é uma das cidades místicas mais conhecidas do país. Foi frequentada por personalidades como Raul Seixas e Zé Ramalho. “Foi lá que aprendi a fazer teatro, em uma caverna. Conheci o [cantor] Ventania. Aprendi arte circense, a fazer malabares com fogo. Enfim, eu aprendi a sobreviver fazendo arte”.
Fernando se sustenta, hoje, com seus artesanatos. São pulseiras, colares, cachimbos, brincos e objetos decorativos. Alguns são bem inusitados. “Enquanto ando de bicicleta, retiro dentes de animais mortos nas rodovias. Transformo tudo em pingente. Tenho dentes de tamanduás, ariranhas, queixadas, de muitos animais, conta..
A natureza oferece quase tudo que o artesão precisa para criar: sementes, cascos, penas, minerais. As únicas matérias-primas que ele compra são linhas e pedras lapidadas.
SENTIDO DE VIDA
Hoje, aos 36 anos, Fernando olha para trás com uma certeza: “A liberdade é o mais importante da vida”.
Nascido em lar católico, ele passou a conhecer muitas literaturas religiosas. Diz que acredita em Deus e que o vê em todas as religiões. “O corpo de cada um é emprestado por Ele para fazermos uma passagem. Neste sentido, nunca me falta nada. Nunca reclamo de nada. Tudo que há na natureza me encanta e, para mim, é uma benção”.
Ser hippie, diz ele, “é um estado de espírito”. É “não ficar preso no sistema opressor; não dá para levar uma vida banal, pagando impostos e apenas sobrevivendo, como escravos das estruturas”.
Ele avalia que não nasceu para viver preso a convenções. “Sei que essa visão gera preconceitos e questionamentos. Mas estou certo de que foi o melhor caminho que encontrei para uma vida rápida aqui na Terra. Toda as vidas são rápidas, não importa a idade com que se morra. Liberdade é tudo o que quero na vida. E ser hippie foi o meio que encontrei para conhecer culturas e lugares, contemplar e, ao mesmo tempo, viver da minha arte”, filosofa.
Mesmo com esse discurso libertário, o hippie pós-moderno tratou de comprar uma terrinha nas proximidades de Chapada dos Veadeiros, em Goiás. “É para lá que eu sempre retorno, desde 2006”, afirma, ao contar: “Aquele é o lugar mais bonito que eu já fui”.
Fernando já percorreu boa parte do país, menos o Nordeste; de lá, conhece apenas a Bahia e o Maranhão. Nem sempre fez viagens de bicicleta. Já encarou todos os meios de transporte, inclusive “caronas clandestinas em trens de carga”.
Numa dessas aventuras, foi preso na cidade de Alto Alegre do Pindaré (MA). “Todo sujo de minério da Vale do Rio Doce, fui levado à delegacia. Mas adorei a experiência e acabei ficando um ano no Maranhão, curtindo o mar”.