Palácio Rio Madeira, sede administrativa do Governo do Estado de Rondônia / Foto: Divulgação

Rondônia elegeu uma bancada federal — constituída de oito deputados e um senador — inteiramente bolsonarista. Nada tão diferente da atual legislatura capitaneada por governistas.

Atualmente, apenas o senador Confúcio Mouro (MDB) é visto como “oposição light” a algumas pautas do Governo Federal. Mas, o parlamentar — que está no meio do mandato de oito anos — não participou ativamente do processo em Rondônia, embora seja vice-presidente nacional de seu partido. Ele viajou para o exterior durante a campanha e não apareceu nenhuma vez no programa eleitoral pedindo votos para seus aliados.

Confúcio tentou, sem êxito, emplacar sua irmã, Cláudia Moura, como candidata a senadora. Entretanto, foi golpeado pelo presidente local do MDB, Lúcio Mosquini, que fez aliança com o atual governador, Marcos Rocha (UB); Mosquini foi reeleito deputado federal, o terceiro com mais votos.

De playboy a coronel de pijama, a bancada eleita tem de tudo. Mas todos declaradamente de direita, a favor de pautas desenvolvimentistas, sem plataformas como programa de cotas ou questões ambientais. O mais próximo do diálogo com as forças moderadas é o delegado de Polícia Civil Thiago Flores, ex-prefeito emedebista de Ariquemes.

 

ESQUERDA VOLVER

A maior votação para federal de um nome de esquerda em Rondônia foi dada para Fátima Cleide. A ex-senadora petista e candidata a deputada mostrou que tem fôlego e ficou em quinto lugar na contagem geral de votos (28.411), mas não foi eleita por causa do quociente eleitoral. Ela ficou acima de três dos eleitos e, mesmo sem mandato, poderá ocupar cargo estratégico no Governo Federal caso Lula seja eleito presidente.

Diferente de Fátima, ficou o deputado federal Mauro Nazif (PSB), que amargou um 14º lugar e a pior votação dentre as quatro vezes em que concorreu para a Câmara: 16.772 votos. O PSB de Nazif teria candidato próprio ao Governo, mas o líder socialista imaginou que sem um reforço em sua nominata não conseguiria o próprio ser reeleito federal. Assim, tirou do páreo para o Executivo o advogado Vinícius Miguel, que seria um nome legítimo da esquerda  para ser candidato a governador — como ocorreu em 2018, quando ele ficou com boa votação, ficando em primeiro lugar na Capital.

Vinícius encolheu disputando uma vaga de deputado: somou 10.161 votos. Para o Executivo, Vinícius teria muito mais visibilidade e recursos para defender suas teses nos debates. Sem ele, os votos de Porto Velho não foram para a esquerda — que não viu em Daniel Pereira (Solidariedade) um representante do setor —, e se diluíram e quem venceu, desta vez, foi a direita, representada por Marcos Rocha.

 

INDÍGENA SEM VEZ EM SUA PRÓPRIA TERRA

“Terra de Rondon”. É isto que significa o nome Rondônia. Marechal Rondon foi um sertanista defensor dos povos originais  e sempre se fez acompanhado deles — o próprio tinha o sangue indígena — em suas missões; foi o criador da Funai (Fundação Nacional dos Índios) e ajudou na visão da necessidade das demarcações das terras ancestrais. Contudo, por aqui eles não têm vez na política.

Com mais de 40 etnias, milhares de hectares de reservas indígenas, teses acadêmicas sustentadas mundo afora desde o século 18 sobre os nativos do Estado, os candidatos deste viés tiveram pouquíssima representatividade nas urnas.

O líder Almir Suruí, por exemplo, é reconhecido no planeta, já discurso na ONU, foi condecorado pelo hoje Rei Charles, da Inglaterra, é festejado no globo como proeminente da defesa do meio ambiente. Foi candidato a deputado federal do PDT por Rondônia, sua terra natal, e obteve 3769 votos.

Não foi apenas Almir — o pai de Txai Suruí, jovem liderança indígena e militante respeitada no mundo — que obteve votação inexpressiva. Outros dois indígenas concorreram, sem êxito.

Rondônia não foi exceção. No conflito declarado ou velado entre agronegócio e meio ambiente e pautas correlatas, o primeiro levou larga vantagem. Em São Paulo, por exemplo, Ricardo Salles (PL) obteve mais de 640 mil — a quarta maior votação naquele Estado — contra 237 mil de Marina Silva (Rede), que foi eleita e ficou em 13º lugar. Marina é o símbolo do ambientalismo no Brasil; Ricardo foi ministro do Meio Ambiente de Jair Bolsonaro com agendas e discursos que agradam mais os que discordam dos defensores radicais da Amazônia.

 

EDUCAÇÃO, CULTURA E DIVERSIDADE

Além dos indígenas e ambientalistas, outros candidatos com propostas versadas em diversidade, cultura e educação não obtiveram bons resultados nas eleições.

Neste caso, apenas o professor, historiador  e escritor Alex Palitot (PTB) conquistou votação expressiva (8999), mas não o suficiente para levá-lo ao parlamento estadual. Alex é um vereador de excelência em Porto Velho e desenvolve um ótimo trabalho de resgate da memória rondoniense. Mas seu nome — embora muito presente na mídia — não transcende as fronteiras da capital.

A professora da Universidade Federal de Rondônia, doutora Rosângela Hilário (PDT), foi dos poucos, dentre todos os candidatos a deputado federal, a falar de negritude, cultura quilombola e racismo. Ela obteve irrisórios 692 votos.

De um modo geral, a defesa da bandeira da educação não rende votos. Independente do espectro ideológico que se sustente. Basta ver que o direitista Professor Suamy (União) — secretário estadual de Educação até abril, tocando quase 30% do orçamento rondoniense numa pasta com cerca de 25 mil servidores — conseguiu 4078 votos para deputado estadual. Por sua vez, a esquerdista Professora Léo Simão (PT), com o apoio do Sintero (Sindicato dos Trabalhadores em Educação), foi votada por 6561, também para a Assembleia Legislativa.

Em tempo: a Assembleia rondoniense elegeu 23 deputados alinhados a Bolsonaro — embora, entre eles, existam nomes do PSB e MDB — e apenas uma declaradamente militante do PT: Cláudia de Jesus (8845 votos), filha do ex-deputado federal Anselmo de Jesus (PT) que concorreu para vice-governador de Daniel Pereira.

 

ANALÓGICO VERSUS DIGITAL

Colocado de escanteio e não mencionado em cerimônias ou na mídia oficial na atual gestão, o vice-governador Zé Jodan (PSC) é o homem de 101 milhões de reais. Um dos candidatos mais ricos de todo o Brasil nestas eleições, em que foi candidato a deputado estadual. Jodan obteve apenas 2867 votos em todo o Estado. Em sua cidade, Rolim de Moura, ficou em quinto lugar, com 1330 sufrágios.

Zé Jodan é agropecuarista, 70 anos de idade, nunca ocupou outro cargo público além de vice-governador. Evangélico e fã de Jair Bolsonaro revelou, recentemente, que não acredita em Internet para alavancar resultados nas urnas. “Eu já fui roubado quando disputei eleição para prefeito em Rolim, contratando marketeiro e esse pessoal que diz que entende de rede social. Bobagem. O contato tem que ser com lideranças e pessoalmente”, asseverou. Como se vê, o resultado das urnas discorda com a tese do político.

Diferente de Zé Jodan, o jovem Dhonatan Pagani, de 26 anos, é um fenômeno da Internet. Pagani utiliza muito bem as redes sociais e sabe “conversar” com o seu público. Fez a campanha utilizando um velho Fiat 147.

Vereador de primeiro mandato em Vilhena (sul de Rondônia), pelo Podemos, o rapaz não foi eleito, mas conseguiu 7533 votos, o que o colocou em segundo lugar em seu colégio eleitoral, com 6453 votos; em Vilhena, ficou pouco abaixo da já deputada  Rosângela Donadon, do União (6527), e acima do deputado Luizinho Goebel, do PSC (6111 votos). No geral, os dois vilhenenses foram reeleitos porque têm votos em muitas cidades de Rondônia.

 

VILHENA TERÁ DUAS ELEIÇÕES NUMA SÓ

Por conta da cassação do prefeito Eduardo Japonês (PSC) por crime eleitoral, o município de Vilhena está sendo governado há quase três meses pelo prefeito interino Ronildo Macedo (Podemos). A eleição suplementar para escolha do novo prefeito ocorrerá dia 30 de outubro — mesmo dia do segundo turno das eleições gerais que escolherão o presidente da República e o governador de Rondônia.

Quatro candidatos estão inscritos para disputar o mandato de dois anos de prefeito de Vilhena, quarta maior cidade de Rondônia e uma das mais ricas do Estado, com o segundo IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) entre os 52 municípios rondonienses.

No domingo (2/10) Vilhena elegeu dois deputados estaduais — Luizinho e Rosângela — e deu visibilidade a outros dois nomes que disputaram o mesmo cargo: Pagani e Cris Del Pino (PMN). Embora tenha ficado em quarto lugar no município, com 6,16% dos votos locais (2825), a professora Cris Del Pino foi muito bem, considerando ter sido sua estreia nas urnas e estar num partido pequeno demais, sem recursos financeiros. Ela foi a mais votada do PMN, que não elegeu nenhum deputado por falta de quociente eleitoral.

Para federal, Vilhena também apresentou nomes de peso: Rosani Donadon (PSC) e a novidade: Delegado Flori (Podemos). Obtiveram, respectivamente, 22,84% e 21,08% dos votos do município.

Quem teve uma queda brusca na votação para federal, em relação ao 2018, foi Evandro Padovani (PSC), ex-secretário estadual de Agricultura, sogro do deputado estadual Goebel e atual primeiro suplente de deputado federal; Padovani teve 9,10% dos votos em Vilhena, muito abaixo da eleição passada, quando ficou em primeiro lugar no município, com 30,39%.

 

SURPRESA PARA O SENADO

Ainda falando de Vilhena, a grande força — e surpresa! — das eleições deste ano em Rondônia foi a eleição do senador Jaime Bagattoli (PL). Em todas as pesquisas, dos principais institutos, ele aparecia em quarto lugar. Acabou eleito. O bolsonarista obteve incríveis 72,18% dos votos em Vilhena — onde ele reside — e 35,80% no geral. Com isso, Jaime [que nunca foi sequer vereador] superou nomes tradicionais da política: Mariana Carvalho (REPU), Jaqueline Cassol (PP), Expedito Júnior (PSD) e Acir Gurgacz (PDT).

Robusto no agronegócio e bolsonarista de primeira hora, o agora senador Jaime Bagattoli entrou na marra no PL. O partido não o via, a princípio, como viável para fazer o enfrentamento, mesmo tendo sido o terceiro mais votado em 2018, no início da onda Bolsonaro.

 

SOBRE OS MARCOS

O senador eleito Jaime passa a ser decisivo na eleição do próximo governador de Rondônia. E ele tem todas as razões para apoiar — com força — Marcos Rogério. Além de correligionário no PL,  conta muito o fato de, quatro anos atrás, Jaime Bagattoli ter sido desprezado no meio da campanha pelo seu então “aliado” no extinto PSL, Marcos Rocha (União), que acabou eleito governador. Inclusive, Rocha — que é policial militar — teve o apoio financeiro do agronegócio, setor que vê no novo senador um expoente.

Além do apoio do senador eleito, conta a favor de Marcos Rogério o fato de ele usar o número 22, o mesmo do presidente Jair Bolsonaro que, em Rondônia, atingiu 64,36% da preferência, contra 28,98% de Lula. Mas é bom deixar claro: os dois concorrentes ao governo local são muito próximos de Bolsonaro e à agenda liberal de direita sustentada pelo chefe da Nação.

O resultado para o governo foi apertado: 38,89% para Rocha e 37,05% para Rogério. Os dois Marcos terão, agora, que cooptar aliados. Dos que concorreram ao governo, e ficaram pelo caminho, será tarefa difícil de se conquistar algum aceno sincero.

Afinal, Léo Moraes (PODE), que ficou em terceiro (14,6%), não poupou nenhum dos concorrentes de críticas veementes e irreversíveis. Daniel Pereira (SD), por ser aliado e defensor de Lula, não tem condições para pisar em algum dos palanques remanescentes. Mesmo que a votação de Daniel tenha sido baixa (9,56%), no segundo turno será fundamental na balança. Difícil é saber para onde vai a esquerda, ou mesmo se vai para algum lugar frente dois nomes bolsonaristas no páreo final.

Uma radiografia das cinco maiores cidades: Marcos Rocha venceu em Porto Velho (38,18%) e em Cacoal (45,48%). O atual governador perdeu em todas as outras cidades-polos de Rondônia: em Ariquemes, Marcos Rogério ficou com 48,19%; em Ji-Paraná com 46,82%; em Vilhena, 47,49.

Nos pequenos municípios de Rondônia, o jogo ficou equilibrado. No menor de todos eles, Pimenteiras do Oeste, na fronteira do Brasil com a Bolívia, Marcos Rocha obteve 726 votos, equivalente a 51,41% dos eleitores. Rogério ficou com 474 votos (33,52%).

Na cidade de Rolim de Moura, na Zona da Mata, berço político de vários ex-governadores (Ivo Cassol, Valdir Raupp e João Cahulla), Rocha atingiu 54,24% dos eleitores contra apenas 28,70% do agora adversário direto. O apoio de Cassol, ainda incerto, pode ser determinante na região.

 

OPOSIÇÃO QUE GRITA

Quando Lula venceu as eleições de 2002 e 2006 de José Serra e Geraldo Alckmin, respectivamente, havia uma acirrada disputa democrática. Os tucanos eram os “terríveis neoliberais” na boca do PT, Serra um  “vampiro” (por conta das olheiras) e Alckmin o “picolé de chuchu”. E sem revides. Nada colava no PT, sempre forte e articulado, o único partido com vida orgânica fora do período eleitoral.

Eram tempos de uma oposição quase ingênua comparado ao que se vê agora, com o acirramento dos ânimos e a violência que chegou às ruas.

O PT fora do governo na década de 1990 pedia impeachment, formava CPI, participava de grandes manifestações de rua contra os presidentes da vez. Fernando Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso que o digam.

Agora mudou. Com Jair Bolsonaro, a direita ganhou as ruas. Surgiu a militância conservadora e a figura do “mito” — antes restrita apenas a Lula. Tão radical quanto foi o PT que hoje fala em comitê do ódio e constrói a retórica do amor como resposta para a uma suposta truculência bolsomínica.

O que está claro é que se Lula ganhar as eleições de 2022 terá uma oposição à altura da que o PT fazia nos seus anos dourados, blindada pela pureza e a atmosfera de um discurso que não encontra mais eco.

Bolsonaro tem militância, tem iguais, tem milhões de seguidores fiéis, tem mais capilaridade nas redes sociais. E sabe fazer barulho. E mais: elegeu a maioria do Congresso.

Se Bolsonaro ganhar, porém, terá um PT mais aflito e menos piedoso do que aquele que apelidava os desafetos como se fossem personagens de histórias em quadrinhos.

sicoob

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