Sargento Aymoré aos 86 anos em Vilhena / Foto: Júlio Olivar

Neste domingo, 23 de outubro, é o Dia da FAB (Força Aérea Brasileira). A data diz muito para a história de Vilhena (sul de Rondônia) que progrediu em torno de um aeroporto insipiente surgido em 1960.

Uma vila da aeronáutica — que existe até hoje no mesmo local — foi implantado em decorrência do funcionamento do Departamento de Controle do Espaço Aéreo (DCEA) da FAB e tornou-se o epicentro daquela povoação inicial.

O sargento Aymoré Horta Pereira, que comandou tudo, é a pessoa que há mais tempo vive no município de Vilhena. Ele chegou em maio de 1962, aos 26 anos de idade, para atuar no serviço de comunicação do DCEA, do qual ele assumiu o comando. Nunca mais se desvinculou de Vilhena.

Dois anos antes da chegada de Aymoré, havia surgido o lugarejo constituído de um barracão de operários da construtora Camargo Correia às margens da rodovia BR-029 (atual 364) e do campo de aviação inaugurado pelo presidente Juscelino Kubitscheck em 4 de julho de 1960, com 1450 metros de extensão impermeabilizado com pintura asfáltica.

Quando Aymoré deu o ar de sua graça, havia aqui um cearense humilde de 57 anos, Alfredo Fontinelli. Com sua família, ele vivia em Vilhena desde 1961. Sua filha Maria Regina foi a primeira criança “branca” nascida na vila. Alfredo montou um bar na aeroporto e sua história também está interligada a essa fase embrionária da cidade, em que a vida orbitava a aviação.

A antiga sede da FAB está preservada / Foto: Júlio Olivar

Aymoré veio, observou tudo e foi ficando. Na época, Vilhena era extensão de Porto Velho, a capital do território federal de Rondônia. Logo que aqui aportou, o militar tratou de enumerar as demandas de sua repartição e começou a tomar providências para estruturar a FAB.

O jovem militar encomendou o material de construção vindo de Porto Velho, a 700 km, e recebeu operários de diversos pontos do Norte do país. Com destaque ao trabalhador Osmar Costa, egresso da Ilha do Marajó (PA), que tornou-se referência em Vilhena. Esse personagem merece parênteses: depois que cumpriu sua missão na FAB, Osmar atuou  como farmacêutico prático, agente dos correios, servidor público e foi primeiro vereador representando a comunidade vilhenense na Câmara Municipal, sediada em Porto Velho.

Do Rio de Janeiro vieram  os demais homens da aeronáutica, cerca de 12, com conhecimento em motores geradores de energia elétrica, meteorologia, telegrafia, radioamador, entre outros ofícios essenciais ao funcionamento aeroportuário. Eles passaram a atuar em áreas estratégicas sob o comando de Aymoré — ou Sargento Pereira, como oficialmente era tratado.

INFLUÊNCIA

Afora as suas atribuições regulares como militar, ele simbolizava o líder e mentor de Vilhena naquele momento. Nada era feito sem que se o consultassem. “As pessoas me procuravam para resolver até problemas conjugais e me convidavam para ser padrinho de batizados de crianças”, relata Aymoré.

O sargento foi procurado, em 1963, pelo padre ítalo-brasileiro Ângelo Spadari que, do alto de seu burro de carga que o transportava a longas distâncias, pediu-lhe pouso e refeição. Ficou numa palhoça na sede improvisada da FAB, de onde saía para suas atividades missionárias, inclusive em aldeias indígenas e “colocações” — as residências dos seringueiros.

O marco simbólico da implantação do núcleo aeroportuário em Vilhena / Foto: Júlio Olivar

PRIMEIRA MISSA

Em 27 de outubro de 1963, Padre Ângelo, então com 53 anos de idade, celebrou a primeira missa em Vilhena no pátio  da FAB, à qual acorreram cerca de 35 pessoas. Era a Semana da Asa [em memória de Alberto Santos Dumont], alusiva ao Dia do Aviador e Dia da FAB, ocorrido havia quatro dias daquela celebração histórica.  O local dessa missa fica hoje na altura do número 3009 da avenida Sabino Bezerra de Queiroz, dentro da Vila da Aeronáutica [composta atualmente por nove residências], ao lado do extinto aeroporto.

A primeira igreja foi inaugurada em 1970 por Padre Ângelo, e está em pé e preservada até o presente, à avenida Capitão Castro em frente da praça que leva o nome do missionário  falecido em 1997.

A padroeira vilhenense é Nossa Senhora Auxiliadora. Entretanto, na época da construção da paróquia era cogitado que a defensora oficial de Vilhena seria Nossa Senhora de Loreto, a padroeira da aviação brasileira e a cuja memória foi dedicada a primeira missa na FAB.

A virgem de Loreto foi preterida porque, a princípio, Vilhena era parte de Porto Velho, portanto, sem autonomias civil e eclesiástica. Dessa forma, todo o município tinha Auxiliadora como homenageada. Tanto que, até hoje é feriado tanto na capital quanto aqui  no Dia de Nossa Senhora Auxiliadora, 24 de maio.

 A EVOLUÇÃO DA CIDADE

Em 1966 chegou à localidade de Vilhena o 5º Batalhão de Engenharia e Construção (5º BEC) para garantir a manutenção da rodovia sem asfalto. O órgão do Exército Brasileiro sediado em Porto Velho passou a dar, também, significativas contribuições ao desenvolvimento de Vilhena.

Inícios da cidade de Vilhena / Foto> Júlio Olivar

Sargento Aymoré, embora da Aeronáutica, sempre era consultado pelo BEC. “Pediram-me para ajudá-los a planejar uma avenida que pudesse ser a principal via da futura cidade”. Foi assim que surgiu a Major Amarante, paralela à avenida Marechal Rondon que, por sua vez, margeava a BR-029. Eu planejei para que  a Major Amarante tivesse 50 metros de largura, mas acabaram por fazê-la mais estreita”, conta, com algum desapontamento. A Major tem cerca de 22 metros de largura e 2,1 de extensão.

Sargento Aymoré com um filho no primitivo aeroporto na década de 1960 / Foto: Álbum de família

Foi também Aymoré quem mediu pessoalmente  — “usando barbante e fita métrica, sem topógrafo ou agrimensor” — os primeiros terrenos da avenida Major. Os lotes foram ocupados por funcionários civis da própria FAB e outros trabalhadores que resolveram permanecer aqui. “Tudo representava uma aposta porque ninguém sabia se a cidade teria futuro ou não”, aponta Aymoré. Era uma comuna rústica estabelecida  no Planalto dos Parecis e que se assemelhava aos filmes de faroeste. Com o detalhe: a terra arenosa era ruim para a lavoura e para a olaria; tijolos, telhas e alimentos tinham que vir de fora.

O Incra chegou em 1966 e começou a mapear e distribuir lotes para povoar a região, o solo aos poucos foi corrigido e as lavouras surgiram. “Vi serem transportados em caminhões os primeiros bovinos para formação  das fazendas de pecuária na região”, sublinha. Hoje, o município  é um dos maiores produtores de soja e algodão do Estado, além de polo pecuarista. A enorme área vilhenense foi desmembrada, surgindo outros seis municípios e vários distritos no chamado Cone Sul de Rondônia. Vilhena tornou-se uma espécie de “capital” da região.

O forte da economia foi nos primeiros anos, até a década de 1980, o setor madeireiro que promoveu uma onda migratória sem precedentes na região. As serrarias intervieram  decisivamente na ocupação demográfica, na construção de casas e a devastação de matas que foram dando lugar às cidades, vilarejos e fazendas. O lema do Governo Federal a respeito da Amazônia era: “Integrar para não entregar”.

Vilhena só seria elevada a distrito em 1969. Mesmo ano do fechamento e abandono do velho posto telegráfico “Álvaro Vilhena” [a razão do nome da cidade] inaugurado havia quase meio século pela Comissão Rondon. O posto é considerado o marco inicial do município, a 5 km do centro do núcleo urbano. Na época, seu entorno era conhecido como Vilhena Velha.

Desde 1943 a família Zonoecê encabeçada pelo guarda-fios Marciano, indígena da etnia parecis, aculturado e nativo do Mato Grosso, administrava o posto telegráfico conhecido como “Casa de Rondon”. Os Zonoecê mudaram para a vila para ficar perto da FAB e do 5º BEC e, assim, estarem protegidos dos ataques indígenas restritos àquele período.

Em 1973 assumiu a administração do distrito o cearense Gilberto de Barros Lima, que era tratado como “prefeito”. Com isso, Aymoré e a FAB acabaram se restringido à Aeronáutica, deixando as questões sociopolíticas da vila. Em 1977 Vilhena foi emancipada de Porto Velho e ganhou o primeiro prefeito de fato, ainda nomeado, o mineiro Renato Coutinho dos Santos.

O CASAL

Pacato, competente, confiável e reservado. Predicados que traduzem um pouco do pioneiro  Aymoré Horta Pereira,  o testemunho ocular e, às vezes, o bastião de episódios importantes que culminaram no que Vilhena é hoje.

Aymoré, Noeme e filhos / Foto: Álbum de família

O decano vive no bairro Orleans. Muito lúcido aos 86 anos, pratica pilates, gosta de leitura e rememorar a história. Nascido em Minas Gerais em 12 de maio de 1936, casou-se ainda em 1962 com a primeira professora de Vilhena, Noeme Barros, que veio de Pimenta Bueno com cerca de 20 anos de idade para lecionar. A princípio, as aulas de alfabetização eram ministradas na casa dela e, depois de casada, na FAB.

Mais tarde, nos anos 1970, além de professora dona Noeme foi agente da VASP, companhia  que atuou em Vilhena. Anteriormente, a VASP era representada por Osmar Costa, o já citado ex-membro da equipe civil da FAB. Também operavam aviões da TABA e do Correio Aéreo Nacional e, principalmente, os táxis aéreos. “O fluxo era grande. Alguns pilotos tinham até sete bimotores e monomotores que atuavam como táxis cortando os céus de Rondônia”. Aqui, os aparelhos eram abastecidos e cumpriam missões sociais, deixando remédios, por exemplo, que Aymoré distribuía à população.

Professora Noeme e Sargento Aymoré tiveram sete filhos. Ela ia de avião para dar à luz em Porto Velho ou Cuiabá. “Eles cresceram [os filhos] aqui, brincando, estudando, nadando no Rio Piracilino, com muita liberdade e disciplina. Vi Vilhena nascer, praticamente. Tenho lembranças dos tempos em que nem comércio aqui existia. A gente comprava até galinhas dos caminhões que passavam pela BR. Mas, rapidamente, surgiram muitos estabelecimentos. O progresso foi relativamente rápido, se comparado ao de outras localidades antigas e atrasadas”, garante o sargento.

Aymoré aposentou-se da FAB em 1985 e ficou viúvo em 1997. Ele e Dona Noeme — que é nome de escola pública municipal  — são parte da história do município-polo do Cone Sul, lugar rico e o quarto mais populoso  do Estado; Vilhena deve muito desse progresso  à aviação que, literalmente, a colocou na rota.

ATUAL AEROPORTO

Em 1982 foi inaugurado o atual Aeroporto Brigadeiro Camarão [deveria ter o nome de Aymoré] porque o antigo — que funcionou durante 22 anos — ficou inviável pela sua localização. O Camarão é o 15º aeroporto mais movimentado do norte do País e fica a cerca de 5 km do centro.

A pista de pouso inaugurada em 1960 / Foto: Reprodução

O Destacamento de Controle do Espaço Aéreo, subordinado à Aeronáutica e ao Ministério da Defesa, é comandado agora pelo capitão Daniel Barbosa Neves. Dispõe, ainda, de unidade do  Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam).

O sitio aeroportuário de Vilhena mede 202,56 hectares e incorpora o pátio de estacionamento de aeronaves da FAB e a Base Aérea. A pista de tem dimensões internacionais: 2.600 metros de comprimento por 30 metros de largura.

O atual Destacamento de Controle do Espaço Aéreo de Vilhena / Divulgação
sicoob

COMUNICADO: Atenção caros internautas: recomenda-se critérios nas postagens de comentários abaixo, uma vez que seu autor poderá ser responsabilizado judicialmente caso denigra a imagem de terceiros. O aviso serve em especial aos que utilizam ferramentas de postagens ocultas ou falsas, pois podem ser facilmente identificadas pelo rastreamento do IP da máquina de origem, como já ocorreu.

A DIREÇÃO