Então Giribé amava Dodôra que amava se exibir nos flutuantes e amava o desvario dos pescadores, dos que não tinham o que fazer, jogando carteado nas beiras, comendo peixe assado e cateto com farinha, porque a floresta é mãe e o rio não deixa ninguém morrer de fome.
E todos se riam e mangavam do amor de Giribé que vivia encolhido pelos cantos, com ciúmes dos caboclos que punham as mãos em cima de Dodôra que se divertia rodando como bailarina pelos balanços do flutuante, tomando tragos fáceis num viver sem remorsos. Os malandros e proxenetas então fizeram correr o boato de que Dodôra estava amando o Giribé, galhofando dele.
Giribé encheu os peitos e ganhou a mata, gozando o amor amado, se entretendo do sentimento do mais puro prazer, enxergando cada cor do arco íris nas pernas de jaçanã, no barulho das araras, nos esturrar da pintada, e as manhãs eram gotas de orvalho e o sol mais que um cristal de cachoeira, mas que um diamante escondido e doía mais que o canto do sabia, tão doce estava a vida. Tão misteriosos são os recônditos do amor. Giribé amava. Amava Dodôda que sorvia a vida nos porões dos motores, nos furos e nos lagos, nos flutuantes e nos paranás da Amazônia, largando suor, gemidos e sussurros nos escondidos do Kiré.
Noite de lua cheia, tragos na venda do Josué e risos soltos na beirada do rio escuro que reflete a prata e o bronze aos infinitos, quando Giribé vê vai chegando de chegar vê Dodôra nos braços de nego Milonga e os caboclos se riem do amor de Giribé que sente o fogo que estrala no terreiro passar para dentro do seu peito e explode como o esturro da onça e fere com o espinho do capa-bode, fazendo a cabeça rodopiar: fazendo nascer um Giribé como nunca tinha sido, riscando o terçado no barro querendo estripar Nego Milonga, que nem se ligava e continuava fungando o cangote de Dodôra enquanto Giribé dava cordas ao desespero misturando suor com as lagrimas e o barro do rio, chamando Nego Milonga na faca e implorando a morte como recompensa.
Quando Giribé lhe riscou a lapiana no peito, foi que Nego Milonga sentiu a ferocidade do amor do tolo Giribé.
-Arreégua… Que tolo quer brigar!
Nego Milonga arrancou da cinta a faca de cortar fumo e partiu pra cima do tolo, que negaceava a suava olhando com os olhos desvairados de ódio, rodando ao redor do Nego que inda ria um riso medroso, sentindo a gravidade do momento.
Dodôra correu como uma gata molhada para a segurança do balcão do Josué, espantando as galinhas que dormitavam em cima dos sacos de farinha, amedrontada, sentindo crescer uma beleza estranha naqueles tolos que crescia diante do temido Nego Bilunda, irradiando ódio, enamando o amor que sentia por ela.
– Ai… Que me acertou o fio d’uma égua.
Nego Milonga segurava a faca numa das mãos e as tripas com a outra.
Com o diabo no couro partiu para cima de Giribé e lhe cravou a pontuda debaixo do sovaco e Giribé caiu e Nego Milonga se sentou em cima dele e com desespero de quem está morrendo, picou o corpo de Giribé com a raiva de demônio e depois caiu para um lado.
Os caboclos foram chegando em volta e alguém lembrou de acender uma vela para cada um e o balanço do flutuante foi serenando. As pessoas falando baixo formou-se um estranho cortejo para ir jogar no meio do kiré os dois mortos, com a lua iluminando o jogando bronze na água e então os pássaros e bichos fizeram um grande silencio.
Dodôra pode ver, antes que as piranhas do lago consumissem o corpo de Giribé, um sorriso triste que lhe saía por entre os dentes sujos de sangue querendo dizer: “morri por te amar demais”.
Ivanir Aguiar é jornalista e membro da Academia Vilhenense de Letras