Corumbiara-foto-1capaEm nove de agosto de 1.995 dezenas de vidas foram bruscamente alteradas num pequeno vilarejo do extremo Oeste brasileiro, nas imediações da fronteira com a Bolívia. Em confronto ocorrido entre policiais militares e sem-terra onze vidas foram ceifadas, e muita controvérsia foi criada. O caso teve repercussão internacional, mas vinte anos depois é esquecido até mesmo pela imprensa local. Uma varredura nos principais sites de Rondônia revela que a maioria esmagadora dos veículos de comunicação “esqueceram” a notícia. Aliás, ignorada solenemente pela mídia nacional.

Na verdade, o episódio só não está totalmente esquecido neste momento em virtude do lançamento recente do livro “Corumbiara – caso enterrado”, do paulista João Peres. Por isso, de todas as matérias publicadas neste domingo em que se chega a duas décadas do acontecido, a mais relevante é justamente a que fala sobre a omissão dos brasileiros – em todos os níveis, caso do Poder Público, sociedade e cidadãos – em evitar que a tragédia não seja esquecida. Abaixo, trechos selecionados da matéria, que pode ser lida na íntegra no link no rodapé:

Mídia brasileira ignora

20 anos do ‘massacre de Corumbiara’

Um caso com pelo menos doze mortos é digno de recordação? Depende. Se você é editor de um veículo da mídia, terá de se colocar frente a algumas ponderações. As vítimas eram ricas? No caso, não – então, as chances de publicação caem 50%. Há alguma maneira de dizer que Lula e José Dirceu têm culpa pelo caso? Hum, a gente poderia inventar mais essa, chefe, mas não será fácil – pois então as probabilidades são reduzidas em mais 25%. O caso se passou nos bairros nobres de São Paulo, Rio de Janeiro ou Brasília? Não? Sinto muito, é melhor procurar outro veículo. E terá sorte se encontrar.

As doze pessoas mortas há exatos vinte anos na fazenda Santa Elina, em Corumbiara, não conseguiram preencher os requisitos necessários para que fossem aceitas nas páginas, nos áudios e nos vídeos de boa parte da mídia brasileira. São pobres: dois policiais, um rapaz não identificado e nove sem-terra, entre os quais havia uma criança, Vanessa, assassinada com tiro na barriga. Morreram em Rondônia, estado que não diz nada para gente — e muitos jornalistas. E pertencem a um grupo político capaz de despertar náuseas nos donos e nos principais anunciantes. “Morte de sem-terra? Em Roraima? Qual é?”, terá dito um editor. “É Rondônia, na verdade”, responderia o repórter. “Qual a diferença?”

Ao decidir ignorar o caso conhecido como “massacre de Corumbiara”, os meios de comunicação tradicionais — e também a chamada mídia alternativa — dá mais uma demonstração de descolamento entre a defesa do interesse público e sua realidade pré-fabricada. Algum grande jornal preferiu, neste 9 de agosto, relembrar os 30 anos do lançamento de Rambo II, com Sylvester Stallone matando vietnamitas, a recordar um dos casos mais significativos da transição incompleta do Brasil à democracia.

O curioso é que, à época, veículos de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília enviaram correspondentes aos locais dos fatos. Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, O Globo e Veja debateram a fundo o tema, em vários momentos dando razão à visão dos sem-terra. Em 1995, cumpriram um papel importante à memória do episódio. Depois de duas décadas, é impensável que tornem a fazê-lo.

As redações estão mais desinformadas e muito menores: toda a memória oral garantida por jornalistas da velha guarda foi perdida pelas levas de demissões dos últimos anos. Estão menos interessadas no Brasil como um todo: o que importa é aquilo que pode ser usado contra um partido, uma figura pública, um grupo. E aprofundaram uma trajetória de preconceito que resulta na escolha do assunto de acordo com a renda do envolvido ou o interesse do anunciante em determinada questão.

Deixa-se passar em cinzentas nuvens um episódio central para discutir o presente. Olhando apenas para a questão agrária, o caso de Corumbiara é rico em desdobramentos. O país não avançou nada em termos de desigualdade rural e ainda há muitas mortes de líderes populares: apenas entre janeiro e junho de 2015, foram 23, nos cálculos da Comissão Pastoral da Terra.

Visto de modo mais amplo, o episódio leva a reflexões sobre a privatização de uma narrativa que deveria ser pública e sobre o desinteresse estatal em trabalhar pela construção da memória. O momento que o país vive, farto em exemplos de como a falta de conhecimento histórico provoca a repetição de erros, mais do que justifica que se recorde esta passagem do Brasil pós-ditadura.

Leia mais:

http://editoraelefante.com.br/midia-brasileira-ignora-os-20-anos-do-massacre-de-corumbiara/

Livro
Livro evita que o caso seja esquecido

Fonte: Extra de Rondônia (com texto de Editora Elefante)

Fotos: Divulgação

 

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