sexta-feira, 05 de dezembro de 2025.

ARTIGO: O lobby por trás da pirâmide alimentar: Como a indústria moldou o guia mais famoso da nutrição

Keila Geremia – Nutricionista Integrativa e Palestrante/Foto: Divulgação

POR QUE A PIRÂMIDE ALIMENTAR É TÃO POLÊMICA?

Por décadas, a pirâmide alimentar foi apresentada como a bússola da alimentação saudável. Estava nos livros escolares, cartazes em consultórios e campanhas de saúde pública.

Mas uma investigação mais atenta mostra que ela não foi construída apenas com base em ciência nutricional. Na verdade, a pirâmide alimentar nasceu sob forte influência de lobbies da indústria de alimentos, pressões políticas e interesses econômicos, e não apenas para promover saúde.

A ORIGEM DA PIRÂMIDE ALIMENTAR

O primeiro modelo da pirâmide foi apresentado na Suécia em 1974. Porém, a versão que ganhou o mundo foi lançada nos Estados Unidos em 1992 pelo Departamento de Agricultura (USDA). Aqui está o ponto crucial: o órgão responsável por elaborar a pirâmide era o mesmo que representava interesses da agricultura e pecuária. Ou seja, quem ditava o que a população deveria comer também precisava garantir escoamento da produção agrícola.

O PAPEL DA INDÚSTRIA DOS CEREAIS

Não é coincidência que a base da pirâmide alimentar fosse formada por pães, massas, arroz e cereais. Nos anos 70 e 80, havia excesso de produção de trigo e grãos nos Estados Unidos. Incentivar o consumo desses alimentos era uma forma de movimentar a economia rural. Assim, a recomendação não refletia apenas uma questão de saúde, mas também de mercado e abastecimento.

O LOBBY DO LEITE E DERIVADOS

Outro exemplo é o lugar de destaque dado aos laticínios. O consumo diário de leite foi promovido não só como essencial para os ossos, mas também como resultado de um poderoso lobby da indústria leiteira. Documentos históricos mostram que associações de produtores de leite financiavam campanhas e pesquisas para garantir sua posição privilegiada na pirâmide.

O AÇÚCAR QUE FICOU ESCONDIDO

Um dos episódios mais críticos envolve a indústria do açúcar. Na década de 1960, pesquisas já apontavam a relação entre açúcar e doenças cardíacas. Porém, estudos financiados pela Sugar Research Foundation conseguiram manipular resultados para transferir a culpa às gorduras. Assim, a pirâmide tratou a gordura como inimiga número um da saúde, enquanto o consumo de açúcares recebeu uma recomendação discreta. Décadas depois, descobriu-se que esse direcionamento foi um dos grandes responsáveis pelo aumento da obesidade e da diabetes no mundo.

AS CONSEQUÊNCIAS PARA A SAÚDE PÚBLICA

Seguindo a pirâmide, gerações inteiras cresceram acreditando que o ideal era consumir 6 a 11 porções diárias de carboidratos refinados, evitar gorduras (inclusive as saudáveis) e incluir laticínios em todas as refeições. O resultado foi um aumento significativo de síndrome metabólica, resistência à insulina, obesidade infantil e doenças cardiovasculares.

UM NOVO OLHAR SOBRE ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL

Hoje, diversos nutricionistas e pesquisadores criticam o modelo da pirâmide alimentar e defendem abordagens mais realistas e baseadas em ciência atual. Modelos como o prato saudável de Harvard ou a alimentação anti-inflamatória propõem reduzir o excesso de carboidratos refinados, valorizar alimentos integrais, dar mais espaço às gorduras boas (como azeite, abacate e oleaginosas) e respeitar a individualidade metabólica.

O QUE PODEMOS APRENDER?

A história da pirâmide alimentar mostra que nem sempre o que é divulgado como verdade científica está livre de interesses econômicos. Para a população, a lição é clara: buscar informação de qualidade, questionar fontes oficiais e compreender que saúde não pode ser definida apenas por um gráfico padronizado.

A nutrição deve ser construída sobre evidências sólidas, diversidade cultural e equilíbrio, e não sobre pressões de mercado.

Keila Geremia – Nutricionista Integrativa e Palestrante

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