
Após a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que descriminaliza o porte de maconha para uso pessoal em pequenas quantidades, uma nova estratégia tem chamado a atenção das forças policiais em diversas regiões do país: traficantes estão se passando por usuários para tentar burlar a lei e evitar a prisão em flagrante.
A mudança na legislação, ainda em processo de definição quanto ao limite exato da quantidade permitida, foi considerada um avanço por especialistas em direitos humanos. No entanto, segundo relatos de policiais militares e civis, a flexibilização abriu brechas para que criminosos ajustem seu modo de operação.
Em Vilhena, por exemplo, em vez de carregar grandes porções da droga, os traficantes agora andam com pequenas quantidades fracionadas, muitas vezes divididas em porções que individualmente não configuram tráfico, mas que no conjunto evidenciam o comércio ilegal.
“Estamos percebendo que, em locais onde o tráfico é recorrente, os envolvidos começaram a carregar porções mínimas para dificultar o enquadramento como tráfico. Quando abordados, alegam ser usuários, o que obriga a guarnição a lavrar apenas um Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO), com posterior liberação do suspeito”, afirma um policial ao site que prefere não se identificar.
Em Vilhena, a tática tem sido adotada principalmente em regiões onde a presença policial é constante, como praças públicas, bairros periféricos e pontos conhecidos por movimentação de entorpecentes. Os criminosos contam com a interpretação jurídica da quantidade apreendida e com a falta de elementos adicionais, como dinheiro trocado, celulares com mensagens suspeitas ou registro de denúncias, para escapar da acusação de tráfico.
Segundo o STF, a descriminalização do porte para uso pessoal não significa legalização da maconha. A prática continua sendo ilícita, mas deixou de ser considerada crime quando não há indícios de comércio. O desafio agora é para as autoridades locais: diferenciar quem realmente é usuário de quem utiliza a nova regra para maquiar atividades criminosas.
Entidades da segurança pública já discutem a necessidade de novos protocolos para abordagem e investigação nesses casos, visando garantir o cumprimento da lei sem permitir brechas para o crime organizado. Para especialistas em direito penal, a resposta está na análise do conjunto de provas, e não apenas na quantidade da substância.
“Não basta olhar para a grama de maconha apreendida. É preciso considerar o contexto: localização, comportamento do suspeito, histórico criminal e outros fatores que indiquem se há intenção de venda”, explica a advogada criminalista Juliana Rocha.
Enquanto isso, a polícia segue em alerta. Em muitos estados, operações têm resultado na apreensão de múltiplas porções de maconha com diferentes suspeitos em um mesmo ponto, reforçando a tese de que o tráfico se adaptou rapidamente à nova realidade jurídica.